outubro 09, 2003

RÁDIO COMERCIAL

Houve um tempo, não há muito tempo, em que Portugal era um país inocente, procurando o seu caminho entre dois cinzentismos - o passado e o futuro.

Nesse tempo, onde não havia auto-estradas mas também ainda ninguém tinha experimentado a absoluta necessidade de enriquecer em 2 anos, onde não havia revistas de moda mas ninguém se preocupava muito com a vida do "jet-set", onde só havia RTP mas ainda haviam noites televisivas dedicadas ao teatro, à ópera, às entrevistas e a filmes importantes da história do cinema, nesse tempo, uma rádio entretinha-se a ganhar o seu lugar nas memórias, nos gostos, nos gestos dos muitos que a ouviam.

Veio esta lembrança agora, a propósito dos entusiasmos militantes por Brel, declarados aqui e ali por alguns dos meus bloguistas de estimação. Há muitos anos, um radialista ousou (pelos parâmetros de hoje, duplamente ousou) passar duas vezes seguidas o "Ne me quitte pas". Duas vezes seguidas, para meu espanto e delícia.

Um outro tempo.

E as conversas do "Café Concerto" da Maria José Mauperrin, todas as noites, das 10 à meia-noite? Os delírios do "Pão com Manteiga" ("incesto" é um jogo de basquetebol entre dois irmãos) ?

O 25 de Abril ainda não tinha esfriado, as utopias eram passíveis de ser acreditadas, o dinheiro tinha importância mas ninguém lhe dava assim tanta importância.

Saudosismo? Não. Mas saudades do hábito quotidiano de ouvir coisas interessantes.

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