agosto 30, 2004

NOTÍCIAS DA ESCRITA

Querida Mô,

Apesar de todos os mails que lhe escrevi, continuo sem saber o seu endereço. Não se importava de mo enviar?

(Mesmo com o conselho tentador do Gabo, gostava que os recebesse antes do fim)

COERÊNCIAS CRISTÃS

Se há coisa que sempre me apaixonou nos povos e na Igreja cristã foi a predominância do conceito de arrependimento sobre todos os outros valores. Quais tolerância, respeito pelos outros, amor ao próximo!
O que importa é que uma pessoa se arrependa, de preferância em profusão e amiúde.
E de preferência de um modo espectacular, o que implica, numa dependência directa, que o erro também o seja.
Veja-se o caso da Inquisição que andou mais de seiscentos anos a queimar tudo quanto era teoria alternativa - que magnificência de arrependimento gerou na Igreja do século XX!
Ou o caso mais actual das cruzadas contra o aborto, contra as mulheres e contra as clínicas - que se estendem da América profunda e rural aos portos da Europa comunitária onde um barco panfletário e provocador pretende atracar. Eles são impropérios, pedradas, manifestações violentas. Onde a palavra de compaixão e de solidariedade do Cristo, onde o amor pregado? No arrependimento futuro. É que não há nada como uma boa dúzia de avé-marias de penitência após um valente par de estalos numa maluca que insiste na arrogância de que uma mulher é livre para decidir tudo sobre si mesma.

ESTADO DE EMERGÊNCIA

Continuamos a ser um país de meios-termos.
Depois da corajosa atitude do Governo português de mobilizar um ministro de Estado para controlar as nefastas influências que um rebocador holandês com um contentor instalado teria na segurança nacional e nos hábitos cumpridores das leis de todos os portugueses, eis que o mesmo cuidadosamente se refreia na coerência.

Pois se o objectivo era impedir que todo e qualquer cidadão nacional não cumprisse o estipulado na lei do aborto então porque não instalou funcionários em todas as fronteiras a questionar os motivos de quem sai? Onde estão os questionários de resposta obrigatória tipo "vai-para-onde-fazer-o-quê"? Onde as sanções para quem fosse apanhado numa mentira do estilo "ia-só-ali-a-Badajoz-comprar-caramelos-mas aproveitei-e-fiz-um-desmancho"?

agosto 27, 2004

DA MESMA MARGEM, SEM ÁRVORES

Fujo para as férias e, contrariamente ao que a minha dependência sempre me garantiu ao longo dos meses, não sinto durante quase duas semanas a necessidade imperiosa de encontrar um cyber-cafe que me permita aterrar por momentos neste planeta.
Fujo para as férias sem máquina fotográfica, avariada que ficou após a rematada asneira de substituir dois parafusos em falta no oculista mais próximo. Planeta sem imagens, sonda Cassini avariada.

Resisti aos jornais durante mais de uma semana - até o Expresso ficou esquecido na banca, hábito de 20 anos interrompido. Os Jogos Olímpicos foram companhia ocasional, vibrei com o Francis (ganda Francisco!), irritei-me solenemente com as parvoíces nacionalistas dos reporteres de ocasião da RTP "e agora: dividido entre a Nigéria e Portugal?" "como se vê, um nigeriano a conquistar uma medalha para Portugal?"), gostei dos que se superaram, achei que já era tempo de fechar a porta a técnicos e atleta que acham que o mais importante - a participação - foi alcançado, esquecendo que com tempos e marcas piores do que os máximos alcançados anteriormente. Parece que o importante é ir, esgotando-se a motivação com a obtenção dos mínimos. Uma pinoia.

Entretive-me com a pilha de livros que fui comprando ao longo do ano, as compras superiores à velocidade da leitura. Gostei do "Na Outra Margem, Por Entre as Árvores"do Hemingway, ainda que a tradução me tenha traziso algumas perplexidades. "Hum, edição barata, tradução brasileira?", pensei, confundido com algumas passagens que me faziam pouco nexo. Mas o tradutor tinha sido o antigo presidente da Biblioteca Nacional (deu-me a branca quanto ao nome) - fiquei sem perceber. Se o homem foi um incompetente bem promovido, ou se estava distraído neste trabalho.
Já no "Kim" do Kipling, apanho com um "eles estão a puxar-lhe as pernas" incompreensivel no contexto do parágrafo. Será um "they're pulling your leg" mal traduzido?

agosto 16, 2004

SILÊNCIOS

Passa tempo e nada se escreve. Admiro-me pela ausência de angústia em não postar, assim como não me admiro com a ausência de leitores. Ainda que mais preenchida do que em décadas anteriores, Lisboa é um pequeno deserto em Agosto - porque me haveria de admirar?
Talvez (talvez só, a razão é uma concessão que se faz aos poucos) M. tivesse razão quando proclamava que não só existia vida para além dos blogs como só para além dos blogs é que existia vida.
Talvez.
Bah, quem sabe.

agosto 13, 2004

MOLHOS

O molho é a parte mais voluptuosa de uma elaboração culinária, o ponto G de qualquer refeição. Cubram a posta de peixe grelhado com uma capa de meunière, perfumem um peito de frango cozido a vapor com várias colheres de coco-manga, aromatizem um bifinho grelhado com liberal quantidade de molho à café e eu estarei pronto para qualquer dieta.

agosto 11, 2004

E O CHIADO QUE FALECE...

Mentira que é há muitos anos, que o incêndio tornou mais visível e que a reconstrução procurou ocultar, o Chiado continua a morrer. Se há cancros urbanos cuja cura é desconhecida o do Chiado é um deles. Por aqui apenas anestésicos e placebos de duvidosa eficácia se ministraram nas últimas décadas.



Do que foi o melhor restaurante da cidade resta uma memória envergonhada, estandartes rasgados de uma magnificência que soube sobreviver à revolução política mas não resistiu à mais recente e eficaz ascensão dos novos poderes económicos e sociais. Quem já visitou cemitérios antigos perceberá a minha imagem: aqueles toldos rasgados são as cortinas que desesperam nos jazigos de famílias extintas - sobra o nome, a memória reduzida aos poucos afortunados que ainda vivem e tiveram a oportunidade de conhecer o seu esplendor. O Aviz era tão ou mais património cultural da cidade quanto o São Jorge ou o palácio Pancas-Palha - para falar de dois edifícios para os quais houve a vontade, a coragem e o dinheiro para os salvar da demolição. Estes ainda servem, aquele não mais.



Já este edifício, fendilhado de cima a baixo e objecto de monitorização de patologias, me parece imagem suficiente do escrevi no início: o Chiado está doente - de doença prolongada - e vai morrendo aos poucos, corroído nos seus alicerces. Estruturalmente, terão sido as obras do Metro a dar o grande impulso. Arquitectonicamente também - veja-se a cloaca no Largo do Chiado - , ainda que em menor grau do que a reconstrução pós-incêndio. A vida é feita de experimentar, num ciclo tentar-errar-aprender-melhorar. Assim houvesse a coragem de o assumir neste caso e de tentar corrigir os males induzidos. Mas é mais fácil pseudo-fechar bairros ao trânsito automóvel e entaipar ruas com obras de fachada.

CRÓNICA DE UMA CIDADE QUE CAI

Depois de umas sardinhas no meu restaurante de coração do Bairro Alto (sim, o 1º de Maio qual haveria de ser?) um percurso higiénico até à Baixa. Não foi preciso procurar para me saltarem à vista exemplos múltiplos da falácia que é a recuperação de edifícios antigos. Deixo dois exemplos, muitos há, no caso presente de obras aparentemente particulares - aquelas "entidades" em quem o Estado liberal confia para livrar Lisboa de chagas e mazelas arquitectónicas:

1 - Bairro Alto, prédio recuperado há pouco


São já nítidas as infiltrações, fruto provável de um tratamento dado a correr à cornija, juntas mal colmatadas ou cobertura mal assente. O que fica são os prováveis compradores com uma dívida ao banco e um andar acabado de comprar com patologias exteriores e, provavelmente, interiores.

2 - Largo de Camões, Chiado


Esta terá sido uma das obras "civis" mais polémicas dos últimos anos, uma história mal contada de reabilitação com apoios camarários para uma cooperativa de filhos e conhecidos de autarcas (corrija-me quem a melhor saiba contar). As obras pararam, recomeçaram, aparentemente o prédio ainda não está habitado. Não está habitado, mas já tem queixas. Veja-se a parede manchada no penúltimo andar antes da cobertura, aqui o problema parece vir da varanda superior. Pior, no entanto, para uma obra seguida oficialmente pelos técnicos da autarquia, é a conduta de ventilação que termina curta ao lado da janela do sotão. Então os regulamentos servem para quê?

agosto 10, 2004


A primeira vez que ouvi falar em "imbondeiro" foi na minha pré-adolescência: um mini-mercado abriu perto com esse nome. Era a época dos mini-mercados, uma audácia de modernidade face às mercearias no que respeitava à apresentação dos produtos, a mesma exiguidade de espaço, a mesma atenta vigilância do dono "retornado" (palavra entretanto votada ao ostracismo do politicamente correcto) com algum dinheiro preservado, e intacta a necessidade de comerciar. O "Imbondeiro" não durou muito tempo - foi-se na voragem dos anos oitenta, o dono talvez tenha perdido a vontade face à concorrência dos primeiros hipermercados ou se tenha simplesmente fartado dos horizontes limitados de Lisboa. Afinal, um imbondeiro precisa dos grandes espaços, do céu a perder de vista. Um imbondeiro é o centro, perdia-se num vão de prédio, entre stands de automóveis usados, lojas de roupa mal desenhada, populações envelhecidas.
Só voltei a ver imbondeiros na origem, em Angola. São gloriosos, imperiais, o seu bojo prenhe de água. Se o país tivesse visão, instituia-o como símbolo, largava a roda dentada e a catana e colocava-o na bandeira. O mais velho. O mais sábio.

agosto 09, 2004

SOLUÇÃO DE BOLSO

... para resolver o problema dos desalojados do prédio semi-ruído de Campo de Ourique, sem deixar ninguém chateado e tudo continuar no mesmo marasmo de sempre:
- Antes que a demolição acabe compra amigável do prédio ou, em alternativa, expropriação por interesse público, construção de um imóvel de habitação social no local e realojamento dos antigos moradores com rendas sociais.
Pagam os contribuintes, mas não pagam sempre?

SILÊNCIO

Esta apatia que me acompanha e aumenta com o avanço do Verão. Ainda mais com a chuva de hoje, completa incongruência em Agosto. Chata, morna. Acresce o decréscimo de visitas, a ausência de assuntos que me motivem a escrita. As musas que emigram. Os ócios que nunca mais começam. As facturas que não vencem.
Vou ali já venho.

agosto 06, 2004

agosto 05, 2004

LISTAS DE ESPERA

O Ministério da Saúde anuncia, satisfeitíssimo, a realização de 120 mil das 123 mim cirurgias que se encontravam em lista de espera em 2002. É obra!
Por outro lado, foi criada uma nova lista em 2002 que já conta com 150 mil pacientes.
Hum.
Se se realizaram 120 mil e surgiram 150 mil... parece que há um déficit de 30 mil casos... o que quer dizer que, em média, o serviço público de saúde deixa, por ano, 15 mil operações por resolver... É obra...

DOTE MAIOR

... de maneiras que é assim: eu até disse que casava com aquela, que era de quem eu gostava e que achava que seria uma boa esposa, mas o pai da vizinha ofereceu-me casa e despesa pagas... e pronto, os tempo estão maus, um homem não é de ferro e no aproveitar é que está o ganho!

E assim lá foi o Secretário de Estado ocupar o palacete da Golegã.

agosto 04, 2004

A CÂMARA POSSÍVEL

Constroi-se no meu barrio há perto de dois anos,um conjunto de prédios que consituiriam - se alguém se entretivesse a fazê-lo - um completíssimo livro negro da construção em Portugal.
Descobri há dias uma janela Velux no telhado. Aposto que os apartamentos do último andar estão a ser comercializados na versão "compre um T3 agora e transforme-o num T5 duplex depois da vistoria". (Ou será véstoria?)

A LEI DAS RENDAS part III

Há prédios com mais de oito anos com rendas actualizadas.
Actualizadíssimas.
O facto de não fazerem as obras de conservação, obrigatórias por lei, também tem a ver com a lei das rendas?

A LEI DAS RENDAS part II

Há dias, tive uma peça com uma colega, a propósito dos bairros históricos de Lisboa. A tudo, respondia "sim, a culpa é da lei das rendas; ela é que está a entravar tudo".
Eu falava dos prédios em risco, das estruturas não preparadas para enfrentar sismos e ela respondia "sim, a culpa é da lei das rendas..."
Eu aludia à incongruência de se gastarem milhões com prédios cujos fogos não proporcionam, nem de perto nem de longe, condições mínimas de qualidade e lá vinha ela "pois, a lei das rendas... ".
"Mas que raio tem a lei das rendas a ver com a incoerência de se gastar dinheiro para melhorar as condições de vida dos cidadãos em fogos com 16 m2 de área?". "Claro, se a lei das rendas fosse mudada..."
Insistia, "Então a culpa é das rendas se o Estado não faz obras nos seus edifícios? " "sim, a lei das rendas... ". "A Câmara também não tem dinheiro para fazer obras nos seus prédios por culpa das rendas? " "Claro, se a lei das rendas fosse mudada, os senhorios tinham dinheiro... "
Eu devia calcular, pelo seu emprego actual, que estava a assistir em primeira mão à versão direita da célebre cassete comunista.

A LEI DAS RENDAS

Eis, oficial, o D. Sebastião da habitação. Carmona Rodrigues foi o seu porta-voz - voluntário? involuntário? - na breve aparição telejornalesca, perante um inquiridor intimidado, delicado, inopressivo nas questões.
Esquecendo ambos o facto do nóvel presidente da Cãmara ter sido ministro da tutela nos últimos quinze meses.
O ministro - perdão, o presidente! - martelando na necessidade de se alterar a lei das rendas para resolver o problema do parque habitacional degradado.
O repórte - perdão, o entrevistador! - preocupado com o alinhamento das peças e a antecipação dos temas.

agosto 03, 2004

MODORRA

O país entrou definitivamente de férias, agora que deixou aos cuidados do Governo e da campanha eleitoral do PS a demonstração da silly season.
Depois das posições emocionadas do princípio de Julho, das rupturas, dos discursos inflamados, das posições de princípio, dos amuos, da contestação, o tempo parece ser mais de cautela e caldos de galinha do que de um combate declarado e frontal. Pacheco Pereira dedica-se aos astros, Teresa Gouveia e Manuela Ferreira Leite ao silêncio, Marques Mendes ao futuro, depois de ter deixado recado na entrevista a Maria João Avillez. Todos se preparam para uma guerra de guerrilha. Correm o risco de a perder, no caso de Santana Lopes aprender a disfarçar as asneiras e fazer das fraquezas, força.
Eu que me tinha voltado a entusiasmar pela política - embora pelas razões erradas - preparo também os banhos marítimos e a vontade de a tornar a ignorar.

FALA-BARATO

Carmona Rodrigues, apesar de mais de um ano a lidar com a comunicação social e com o público como ministro, ainda nãoaprendeu a contrabalançar a boa-vontade e a necessidade de agradar com a sensatez.
É um caminho difícil - ainda para mais "emparedado" entre uma turba ainda em estado de choque, uma tropa de microfones à procura do choque e o entulho de uma fachada ruída, e a incómoda sensação de estar a fazer uma figura ridícula com um capacete de bombeiro colocado às três pancadas - mas aventar a hipótese de recuperação de um cangalho daqueles!..., não fica bem a um engenheiro civil.
Ai não fica não.

E CAIEM PRÉDIOS EM LISBOA...



[ fonte: SIC Notícias]

[Notas soltas em frente aos telejornais da tarde]
Mais um prédio a desistir de estar em pé. Aparato mediático.
"Eu senti há coisa de seis meses cair o rés-do-chão (...)" "Eu não dormia... só pensava em ficar ali debaixo daquilo tudo" "Fiz um sotãozinho na cozinha para os meus filhos lá dormirem" "Vim para aqui há 46 anos pagar 350 escudos que era muito para a época"
Presidente da Câmara corajoso ao afirmar que há centenas de prédios em risco igual a este. Pena não ter reconhecido que muitos são de propriedade camarária.
Se bem percebo as queixas, a "culpa" é da Câmara por não ter feito obras coercivas. Seria, se a política fosse fazer coercivas sempre, apesar de não haver dinheiro para tudo.
O reporter da RTP em reportagem de risco, num périplo à volta do que resta do edifício. Péssimo estado de conservação. Como é possível este deixa andar. Claro que é possível. Os técnicos refreiam-se de interditar excepto em casos críticos por causa dos problemas sociais. Quem realoja onde? Quem paga?
Volta-se sempre ao tema das rendas, à lei das rendas. Na subtil pergunta da jornalista (a que a inquilina não respondeu), nas desculpas dos senhorios (que se recusam a fazer investimentos a fundo perdido), na inoperância da Câmara, sem coragem para interditar e desalojar.
Ainda que defensor de uma liberalização controlada, assustam-me a personalidade e a ideologia dos neo-cons que se preparam para a fazer.
[ver vídeo aqui]