outubro 26, 2003

PANTEÕES

Tenho amigos de esquerda que se sentiram ofendidos com a possibilidade de transladação dos restos mortais de Amália Rodrigues para os Jerónimos ou mesmo para o Panteão Nacional. "Tanta gente que merecia muito mais..." diziam. Acredito assim que, para eles como, generalizando, para a esquerda em geral, a discussão se centra em torno do merecimento e não da existência de um local onde se elevem a exemplo as vidas e os actos dos mais excelsos.

Para os meus amigos de direita, um símbolo nacional é um símbolo nacional que há que respeitar e honrar sem grandes questões de fundo. Seja A Pátria, Deus, a Nossa Senhora de Fátima, os Heróis ou a Gesta Marítima, todos merecem devoção e respeito, entidade já incorpóreas que consubustanciam referências que balizam certezas e apagam dúvidas.

Assim sendo, onde está o clamor, onde os protestos enérgicos? Onde se meteu o Paulo Portas que ajoelhou e rezou junto dos restos mortais do Coronel Magiolo Gouveia? Onde está o Pedro Roseta que é suposto velar pela Cultura e Monumentos Nacionais? Onde está o Manuel Maria Carrilho? O Vasco Graça Moura? O Eduardo prado Coelho? O Francisco Louçã?

Que o povinho ande adormecido e já se esteja borrifando para tudo o que seja símbolo da República, já se tinha percebido. Os outros... estranho não achas?

Do que é que eu estou a falar? Ainda não disse, pois é. Do aluguer do Panteão Nacional para apresentação de um livro. Se isto não escandaliza ninguém, se é normal rentabilizar os monumentos e edifícios de referência deste país, bom, alugue-se a igreja dos Jerónimos para raves, a Batalha para escaladas, o monumento ao 25 de Abril para colocar banners de publicidade e a Assembleia da República para a próxima festa de noivado do deputado mais mediático dos últimos tempos.

(Se eu quisesse ser mesmo ofensivo - só para exprimir melhor o grau de indignação que esta perda do sentido das coisas me provoca - acrescentaria "e os Palácios de Belém e de S.Bento para casas de meninas" mas não digo, obviamente. Ele há coisas que ainda provocam muita animosidade).

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