outubro 21, 2003

CLIN D'OEIL ÀS TERRAS DO NUNCA

Transcrevo um mail que enviei a "Terras do Nunca" a propósito do seu post "O que está em causa" onde transcrevia parte de um artigo de Clara Ferreira Alves e acrescentava alguns comentários:

"(...)
Está tudo em causa, não tenho dúvidas. Mas já estava, sempre esteve e sempre estará uma vez que o exercício do poder (o executivo, o legislativo, o judicial) se faz muito mais no aconchego dos gabinetes do que na praça pública. E quanto mais "secreto" for o exercício do poder, quanto menos necessário fôr o dever de dar explicações, maior será a tentação ou a tendência de navegar autisticamente. "Eles" não sabem o que eu sei, logo "eles" não percebem as razões como eu percebo, logo eu tenho razão em tudo o que faço.

É inevitável decisões longe das massas? Claro que é. Quanto mais não seja porque há medidas, acções, decisões que, sendo necessárias não serão populares. Eventualmente algumas não serão cânones de moralidade ou de coerência, mas têm de ser tomadas. Onde se traça a fronteira, onde fica a linha que separa a democracia da ditadura?

A única resposta que o Ocidente deu até agora parece ser a que é traçada por uma opinião pública bem informada. E é para a qualidade da informação, ou da desinformação (como V. estará a objectar neste momento) que se transfere o problema. Como parece ser o fulcro da questão neste momento em Portugal. Existe desinformação de ambos os lados; existirá provavelmente o aproveitamento por parte dos actores que estão no poder de aproveitar as escorregadelas dos membros do PS para os desacreditar.

Mas que diabo! Os homens sabiam, ou não sabiam, coisas que estavam no domínio do segredo de justiça? Houve ou não houve tentativas de meter cunhas para evitar a prisão ou o pronunciamento de Paulo Pedroso? Se havia uma cabala mesmo, não era muito melhor deixá-la expor-se para a desmontar ponto por ponto? Então se V. soubesse que ia ser injustamente acusado de um homicídio, não preferia provar em tribunal que era inocente (ou provar por a+b nos jornais, tanto faz) do que estar a telefonar ao amigo polícia para varrer a denúncia para debaixo do tapete?"


e a resposta,

"Sobre este caso, comecei por expressar mais perplexidades que certezas. Confesso-lhe que me tenho vindo a inclinar para as certezas. Para isso tem contribuido o conhecimento que vou tendo do caso - como o comum dos mortais, sei o que vem nos media, mas vou tentando separar o trigo do joio - mas, principalmente, o comportamento da justiça. As contradições e as incompetências, que começam a ser excessivas. Dou-lhe apenas um exemplo: então há uma rede pedófila e ao fim de nove meses só há uma dezena de detidos?
Quanto à série de questões que levanta no último parágrafo, permito-me lembrar-lhe o seguinte. O que se soube agoras das escutas já consta do processo desde o incício. Ora, Ferro Rodrigue e António Costa já foram ouvidos pela investigação. Não só não foram constituídos arguidos como não foi aberto qualquer processo sobre obstrução à justiça. O PGR, nomeadamente, facultou uma declaração sobre a conversa que teve com A. Costa atestando que não houve tentativa de influenciar o processo. Mais tarde, foi o próprio Tribunal da Relação a considerar as escutas inócuas.
Acescre que Costa e Ferro disseram, logo de início, que tudo fizeram para que Pedroso depusesse sem que fosse preciso montar aquele circo mediático com a ida do juiz ao Parlamento. Ou seja, se alguém tentou separar política e justiça foi o PS. E, como compreende, a própria justiça, embora a custo, tem vindo a confirmar isso (vide acórdão da Relação).
É por tudo isto que escrevo o que escrevo. Tento não surfar a onda mediática. Acredite que não é fácil."


Volto a fazer as mesmas perguntas, porque me parece que, ainda que acerte muito no alvo, continua a evitar fazer pontaria ao centro. Ou seja: apesar do comentário da PGR, considera que as conversas tornadas públicas indiciam ou não uma tentativa de abafar o caso, de manipular os inquéritos, no mínimo de condicionar a actuação do juiz? Considera ou não que o que deveria ser secreto era do conhecimento dos dirigentes do PS? Acha ou não preocupante que alguns suspeitos sejam informados, antes de serem formalmente convocados para inquirição, das investigações sobre si realizadas? E, por último, acha ou não que todo o comportamento dos dirigentes do PS revela uma notável falta de senso político, independentemente das cabalas, das manipulações, das falsidades?

E eu que gostava tanto de discutir o futuro de Portugal...

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