outubro 22, 2003

ARQUITECTURA I

Post arquitectónico não necessariamente ortodoxo

Começando como a criação de um espaço estranho dentro do espaço natural movida pela necessidade do homem de construir um abrigo que o protegesse das agressões desse mesmo espaço maior (onde cabiam os deuses do céu e da terra, das águas e dos ares)) a arquitectura evoluiu com o nascimento do gosto, esse filho dilecto do ócio. De um espaço puramente funcional ao espaço onde deuses e homens são incensados vai uma caminhada de séculos que traduz a evolução do homem migrante ao homem sedentário, da tribo à nação.

A arquitectura realiza o sonho, publicita o poder, demonstra teologias. Cumpre a função mas acrescenta a forma, utiliza os materiais e molda-os num gesto, cria técnicas para avançar na ousadia.

A forma é um fim, a função um pretexto.

Herdeiras profundas da Revolução francesa, as teorias modernistas pretenderam pôr fim ao sonho em nome de um outro sonho - liberdade, fraternidade, igualdade. A função, estribada no uso quase exclusivo da razão, assumiria um poder absoluto, restando à forma o papel submisso do complemento. A recta sobrepor-se-ia à curva. O cubo, à esfera.

Infelizmente, para além de utopicamente errada (e demonstrativamente errada na evolução da maioria dos seus criadores), esta era possibilitou a multiplicação exponencial de edifícios concebidos segundo a fórmula "less is more" - menos custos mais lucros : o santo credo capitalista em pujante demonstração de força.

Os subúrbios europeus são o retrato desse assalto à arquitectura. As cidades sofrem também do mesmo mal. Edifícios sem alma, sem gesto, sem provocação. Sem alegria.

Reacções pontuais procuram contrariar este espírito. Arquitectura espectáculo, arquitectura "statement": as grandes obras impulsionadas por Miterrand marcam o estilo. Promotores iluminados públicos e privados, seguem-lhe as pisadas. Portugal, tímido e atrasado procura o mesmo: sede da CGD, Centro Cultural de Belém, EXPO 92. Taveira procura explorar os sentimentos de inferioridade cultural de promotores e cavalga a onda com a sua arquitectura plasmante de referências múltiplas.

Tudo isto vem a propósito de uma referência do Mar Salgado ao novo Gehry e um convite à sua crítica. Mas o post já vai tão longo, que o Gehry fica para a próxima.

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