janeiro 31, 2004

CEMITÉRIOS

Quando me perguntem razões para a atracção por cemitérios costumo fazer um ar entendido e explicar que, a par da gastronomia, os cemitérios são os melhores indicadores das características de um povo. Até pode ser. Mas o que me fascina são os diversos modos que os povos encontraram para lidar com a morte.

Um Raul Lino metido a sarcófago é uma maneira muito portuguesa de prolongar o locus amoenus que se pretende alcançar ainda em vida. Não é fantástico? É absolutamente fabuloso.

janeiro 30, 2004

AV ROMA

Pela avenida de Roma se espalharam muitos prédios de rendimento versão finais dos anos 50/princípios dos 60: caixotes sem varandas, a que só as boas áreas e acabamentos e a capacidade económica dos seus habitantes deu a aparência de qualidade que faltava à arquitectura. Uma espécie de plain portuguese architecture esticada até bem dentro do século vinte.

Houve, no entanto, excepções: no cruzamento com a avenida dos EUA, depois de uma das quatro torres gloriosas, existe este edifício. Jogo de volumes que resolvem a intersecção dos planos das duas massas diferentes que os ladeiam, varandas desafogadas abertas para os dois lados e que permitem um continuum entre os mesmos para os moradores. Um edifício que tem coisas a oferecer, estímulos, descobertas a fazer por quem nele demorar o olhar e com ele aprender a ver.

Não é preciso a arquitectura ser espectáculo para ser reparada. Basta pensá-la um bocadinho.

PRIORIDADES COERCIVAS



Muito gostava eu de saber quais os critérios de escolha de prioridade de prédios a serem intervencionados coercivamente pela CML. É que, apesar do opróbrio da posse administrativa, da intromissão de terceiros em propriedade própria, da perca temporária de controlo sobre uma coisa sua, a taxa de pelo menos 20% a título de multa e de encargos decorrentes de gestão da obra, é muito vantajoso ter a CML a coercivamente recuperar um edifício. Veja-se porquê:

- Não dá trabalho. São técnicos da CML que organizam e fiscalizam a empreitada (e os projectos, se existirem) o que garante, à partida, para os não-iniciados que são a maioria dos proprietários, um interlocutor mais capacitado para lidar com o empreiteiro;

- Tem garantia de satisfação. É muito mais fácil protestar com a CML do que com um empreiteiro que desaparece no fim da obra ou faz de surdo perante as queixas de trabalhos mal-executados. E é mais fácil porque o proprietário tem a faca e o queijo na mão: não paga a conta enquanto tudo não estiver perfeito. (Foi a CML que pagou: ela que se entenda com o construtor).

- Paga-se a la longue, de acordo com o valor das rendas.

- Não se paga tudo. A CML, no seu afã de melhoramentos, promove obras de beneficiação que não se enquadram no âmbito de obras de conservação, as únicas a poderem ser invocadas nos actos coercivos. Com um bom aconselhamento técnico, o proprietário consegue obter benefícios sem pagar mais por isso. (É claro que estes benefícios são feitos em nome dos arrendatários, mas de quem é a propriedade?).

- Não se pagam realojamentos nem se aturam inquilinos. Isso cabe a quem tomou posse administrativamente.

- Não se pagam os juros da banca.

Enfim, só tranquilidades. Portanto: será que alguém me explica quais são os critérios que definem as prioridades?

janeiro 29, 2004

O CÉU QUE RECUSA WENDERS

Retribuo o epíteto sem obrigação. Eu admirador me confesso: O Céu Sobre Lisboa tornou-se companhia diária. E mais não digo, para não cair no capelismo que tanto me enerva. Registo.

Porque é que são os blogs com menos audiência que mais me cativam? Falta de tempo de crescimento, falta de discernimento das massas ou completa dessincronização com o gosto popular?

A PROPÓSITO DE EMPREITADAS E PROJECTOS

Ouvi dizer que a CML acaba de lançar uma empreitada sem ter adjudicado o projecto que lhe deu origem. Convenhamos que é uma variação à empreitada lançada sem projecto aprovado.

DÚVIDA METÓDICA

Ex.mo Senhor Primeiro-Ministro,

Venho por esta informá-lo que, dado o estado periclitante das minhas finanças, tenho profundas dúvidas acerca da validade da retenção dos meus descontos para a Segurança Social. Deste modo, combinei com a minha mulher entregar a investigação do caso a uma autoridade independente - o meu contabilista - para verificar essa validade. Não se assuste, porque não há crime fiscal - o dinheiro vai continuar na minha conta a prazo, pelo que não o passarei a terceiros nem o aplicarei noutras coisas. Entretanto e uma vez que não faço o pagamento pelo legítimo direito que tenho de ter dúvidas, espero que compreenda que não faço intenção - mesmo que, ao contrário do suponho, seja legítimo o pagamento - de pagar juros de mora. Tivesse-me tirado as dúvidas antes de me apresentar a conta.

Respeitosamente,

A REABILITAÇÃO URBANA E LISBOA (V) - PROPOSTAS

Tendo historiado o percurso da reabilitação urbana na capital e identificado alguns dos seus problemas e ineficácias, parece-me - oportuno, indispensável, obrigatório - apresentar algumas soluções. Melhor, deixar o meu contributo para que, pelo menos por aqui, se deixe de só se apontar defeitos sem indicar caminhos.

Caracteristicamente, os chamados "Bairros Históricos" (classificação discutível - onde acaba a História e começa o Presente?), estão implantados nas colinas da cidade, perto do rio, em zonas com ocupação urbana com, pelo menos, 500 anos (Alfama e Mouraria muito mais: ocupação romana no primeiro caso, cerca de 850 anos a segunda). Zonas eminentemente de ocupação popular, a sua arquitectura e qualidade de construção refletem a menoridade económica dos seus ocupantes, especialmente as urbanizações instaladas na e à volta da colina do Castelo e que, genericamente, se poderão designar como Alfama e Mouraria. É sobre estes dois polos que me aprofundarei.

Se os tipos construtivos de arquitectura civil utilizados na zona (com excepção dos palácios existentes) eram, à data do sismo de 1755, de fragilidade clara (demonstrada pela destruição generalizada que o mesmo implicou), a falta de mão-de-obra especializada, desviada para a reconstrução da Baixa e dos edifícios nobres, levou à edificação de edifícios com materiais heterogéneos, técnicas abastardadas e sistemas estruturais que só na aparência estariam preparados para um melhor comportamento face a novos abalos. E se o passar dos tempos e das gerações levou a um progressivo esquecimento dos desvastadores efeitos de 1755 com o consequente afrouxar do rigoroso esquema estrutural pombalino nos novos edifícios construídos por toda a cidade, em Alfama e na Mouraria se esse "esquecimento" existiu desde o início, mais se veio a agravar no tempo. O que vê quem passa hoje pelas suas ruas é um conjunto de edifícios com claras patologias construtivas e estruturais (são visíveis os desnivelamentos de cantarias, as fissuras de esforço). E o que não se vê é tanto ou mais preocupante: suportes de pavimentos com as entregas apodrecidas pelas infiltrações de água, peças estruturais internas corroídas pela humidade ou pelo caruncho, escadas desniveladas indicando assentamentos das suas fundações.

Como inverter o processo? Contra o que poderia parecer lógico - identificar o que deve ser salvo e trabalhar a partir dessa definição-, defendo que, principalmente por esta operação ser, pelo menos no início, uma iniciativa do Estado e da autarquia, se devem quantificar de uma forma o mais exacta possível os custos da intervenção. Um dos maiores óbices à prossecução dos planos de reabilitação nos diversos bairros foi a falta de verbas necessárias: normal, quando o discurso oficial utilizava valores de reconstrução por m2 de, no máximo 120 contos e os orçamentos de projectos indicavam 160/180 (em obra, com as surpresas encontradas, a tendência foi o aumento destes valores). Se a construção tabelada para habitação social da mesma época era de, por m2, 70 contos, vemos bem a escala a que se trabalha. Acrescem aos custos de construção os de consolidação do substrato. Não existe cartografia detalhada do subsolo das colinas de Lisboa. Se se pensar que, por exemplo em Alfama, existem dezenas de minas referenciadas em escritos do passado das quais se encontram visitáveis ou acessíveis apenas algumas, se se pensar que, não há muitos anos, se "encontrou" uma cratera com mais de seis metros de diâmetro sob uma das ruas (e parte de um edifício), ver-se-à que, construir ou reconstruir com eficácia em cima de uma base periclitante é tudo menos possível...

Resumindo: constatar todas as variáveis de intervenção e orçamentá-las o mais exactamente possível, de preferência com recurso a uma equipa onde tenham assento técnicos de projecto das várias especialidades, técnicos de empresas de construção, medidores/orçamentistas (e faz tanta falta uma especialidade em Portugal equivalente aos quantity surveyers ingleses!). Depois, com base nestes valores, virá a definição pelo poder, da quantia disponível, ou melhor, da quantia que o poder político se permite dispender. E só então, finalmente, com base nos relatórios de arquitectos, historiadores, historiadores da arte, sociólogos, se decidirá onde intervir.

janeiro 28, 2004

GASTROMANIA



João Rieff. No meio do Oceano, longe dos holofotes lisboetas, que prazer encontrar uma cozinha de autor! Festa para os sentidos, a obra do mestre é uma agradabilíssima surpresa para quem vem às ilhas esperando apenas encontrar uma gastronomia regional honesta mas pouco inovadora. Combinando os elementos disponíveis, a tradição e o seu próprio sentimento, mestre Rieff coloca o seu restaurante no roteiro obrigatório de quem passa e de quem está.
Restaurante A Colmeia, Travessa do Colégio s/n, Ponta Delgada, S. Miguel, Açores

ADDENDUM URBANÍSTICO

"1 - Cidade é a expressão palpável da humana necessidade de contacto, comunicação, organização e troca, numa determinada circunstância físico-social e num contexto histórico.
2 - Urbanizar consiste em levar um pouco da cidade para o campo e trazer um pouco do campo para dentro da cidade.
3 - Nas tarefas do engenheiro, o homem é principalmente considerado como ser colectivo, como "número", prevalecendo o critério de quantidade; ao passo que nas tarefas do arquitecto o homem é encarado, antes de mais nada, como ser individual, como "pessoa", predominando então o critério de qualidade.
Por outro lado, os interesses do homem como indivíduo nem sempre coincidem com os interesses desse mesmo homem como ser colectivo; cabe então ao urbanista procurar resolver, na medida do possível, esta contradição fundamental."

Lúcio Costa, Arquitectura, José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 2002

janeiro 27, 2004

ARTE, CENSURA E POLÍTICA

Interessante e fundamental a discussão que se estabeleceu na Suécia à volta da exposição de uma peça considerada polémica pelos israelitas e sem intenções panfletárias (ou pelo menos encomiásticas) do seu autor (ver história aqui).

Os suecos, irrepreensíveis na sua posição de separação de poderes, liberdade de expressão e responsabilização das instituições, mantêm, calmos, a sua posição perante a gritaria totalitária israelita.

Ora, neste caso fundamental não é a questão: até que ponto deve permitir-se a liberdade de expressão a quem defende o genocídio. Aqui, o que se discute é quem decide as intenções de um artista: ele próprio ou os seus espectadores? Nesta posição histérica israelita (repito - o artista nega publicamente intenções encomiásticas; a obra chama-se "Branca de Neve e a Loucura da verdade") (como em muitas outras) não está o germe de pensamento totalitário do seus antigos assassinos? Estou a lembrar-me da exposição de "arte degenerada", da queima de livros... Não me respondam com os seis milhões de mortos. Estou a falar de princípios não estou a falar de fins. (E não me chamem nomes: a barbárie nazi é uma enormidade sem perdão. E começou com a lenta tomada dos princípios, das ideias, dos valores, pelos nacionais-socialistas).

E CAIEM PRÉDIOS

No Cairo, um edifício cai. Era clandestino, tinha mais quatro andares acrescentados sem autorização municipal, as fundações estavam a ser alteradas para (provavelmente) aumentar o espaço da loja situada no andar térreo. No Cairo. Que fique bem claro que estas coisas só se passam em países subdesenvolvidos, onde o estado é fraco e as sentenças dos tribunais ineficientes. Em Portugal? Portugal é um país europeu, membro da União Europeia, Estado de direito...

The building was constructed in 1981, and police said the owner illegally added four more floors 12 years ago. An order from the city to tear down the extra floors two years ago was never executed. Six days ago, tenants complained to police, saying renovation in the appliance store could damage the building's foundations.

AMOREIRAS TWIST

AMOREIRAS


Se a câmara apanhar o lado certo, o lado fotogénico, Lisboa aparece bem, dá-se ares cosmopolitas, perde a sua inata escala de sardinheira e telhazinha canudo e até parece capital de uma contemporânea arquitectura.

Aparências, aparências...

SISMOS - ANTES (I)



Nas idas à Gulbenkian é favor utilizar o passeio certo.

LOGOS

Dez minutos numa fila a olhar para as traseiras de um autocarro dá nestas fixações. O design é interessante, mas não é um pouco trolorilorá? Numa austera, imponente, centro-do-poder autarquia?


janeiro 26, 2004

CÓPIA DESCARADA

... que faço para comentar um espaço óptimo (descoberto através do céu de lisboa):



(em vez de perder tempo a comentar divas de aviário bem que se poderia perorar mais acerca de actos tão bons como os constantes neste blog!)
Tão cedo passa tudo quanto passa!
Morre tão jovem ante os deuses quanto
Morre! Tudo é tão pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina.
Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada.


Ricardo Reis, Odes, Ed. Ática, 1978, Lisboa

MORTE

Os blogs são diários nada verdadeiros, na medida em que continuamos a esconder os rios que mais fundo correm dentro de nós. Apenas escapa o que queremos ou o que, involuntário, espreita nas entrelinhas. Confrontado com a morte, eu me confesso: tenho medo.

Por coincidência, a Ana prossegue o seu admirado caminhar pelo Sétimo Selo. Eu lembro-me de outros diálogos quase perfeitos, quase maravilhados, quase maravilhantes, com a Morte. A Morte Cansada. E principalmente, o que me arranca o coração, essa Ordet que, por momentos, me faz acreditar fielmente em milagres.

E os milagres não existem. Gott ist todt.

janeiro 25, 2004

A MORTE EM DIRECTO?

Confronto-me com os ténues limites da minha perenidade. Com a mínima fronteira entre o existir e o cessar. Valerá a pena algo mais do que o "come, ama e esquece. O mais é nada"?

NUNO GONÇALVES

À procura de outras coisas, encontrei este texto, publicado em Outubro. Como nos podemos permitir a estas umbiguices e como já sei (na altura não sabia) como juntar imagens, aqui vai novamente:

A produção da escola portuguesa do renascimento está repleta de grandes obras, injustamente desvalorizadas, esquecidas nesses sarcófagos que são os museus nacionais ou, pior, em igrejas perdidas de fé e de clientes, geridas por padres ignorantes dos tesouros que têm entre mãos.

No ranking de popularidade dos pintores portugueses, Nuno Gonçalves talvez apareça em primeiro lugar, categoria "mortos e enterrados" mercê das exaltações patriotico-salazarentas às particularidades lusitanas dos Painéis da Capela de S. Vicente cujos ecos ainda hoje perduram e dos aparecimentos - mais ou menos esporádicos - em versão ilustração de capas de livros e de artigos de revistas.

No entanto, mais do que os "Painéis", o quadro que me enche de uma perturbação que vai muito para lá dos limites da razão é o "Ecce Homo" - essa figura a quem não nos é permitido ver o olhar, a quem é cortada a possibilidade de comunicar, de nos olhar. A perca da sua condição humana não lhe adveio das torturas a que foi submetido; nem a coroa de espinhos, nem as mãos atadas nem a fragilidade do corpo chegaram para o humilhar; nem penso, chegarão para nos impressionar, a nós receptáculos dessa transferência de sentimentos a quem a história já foi contada tantas vezes antes. O que verdadeiramente o aniquila é esse corte com o outro, essa mancha branca em forma de lençol que lhe cobre parcialmente o rosto. Quem é este homem que vem do desconhecido e se mantém desconhecido? Quem somos nós, algozes e espectadores passivos?

A pintura foi executada na segunda metade do século XV. A pintura italiana refulgia na sua miríade de descobridores artistas, na sua descoberta da natureza e do papel do homem nessa natureza, na descoberta do próprio homem. A pintura flamenga brilhava igualmente com a exploração da relação do homem com o seu ambiente urbano, espiritual. Em Portugal, país pequeno, pobre, atrasado, um homem ousava interrogar assim, muito antes do tempo. E esta marca, esta pergunta, esta perturbação, de actuais que ainda são, merecem muito mais o prime time do que as obscenas figuras que nos ocupam o tempo neste presente deplorável.


Aproveito para realçar o site de onde retirei a imagem: "Seis séculos de Pintura Portuguesa" é um exemplo raro do que devia ser a divulgação na net da cultura portuguesa. O Estado, sempre tão preocupado em fechar os museus às fotografias e filmagens de visitantes, bem que podia deixar de purismos e publicar os arquivos que possui. É vergonhosa a qualidade dos (poucos) slides à venda.

UM RISCO, UM DESAFIO, O ARRISCAR DE UM ANJO?

CAPELINHAS

Lendo blogs atrás de blogs, fico com a noção de que a maioria funciona em circuito fechado. Estabelecem-se afinidades e raramente se sai delas- opinião política com opinião política, jornalistas com jornalistas, cultura com cultura, arquitectura com arquitectura - registam-se citações e contra-citações, provoca-se e sauda-se, as águas pouco se misturam. Fitando-nos no nosso lago, concluímos: a nossa aldeia é a única aldeia. Talvez me tenha sentido motivado por uma frase, "O alegado blogue (onde é que eu já ouvi isto?!) de Anabela Mota Ribeiro ameaça tornar-se o assunto dominante do nosso blogomundo". Nosso blogomundo? Só vi a questão mencionada neste. Claro que nosso pode ser um eu majestático... Não haverá um vulcão que tudo misture?

VENEZA, NOVEMBRO 99

THE BELLY OF AN ARCHITECT

ARQUITECTURA É MÚSICA EM SUSPENSÃO

Interessante cadeia de posts que me chega por e-mail. A propósito de uma questão acerca da autoria da frase livremente traduzida no título, Ralph Lieberman [rlieberm@WILLIAMS.EDU] responde:

In a letter of February 4, 1829, to his friend Eckermann, Goethe wrote "I call architecture frozen music" ("Ich die Baukunst eine erstarrte Musik nenne.")
Schelling, in Philosophie der Kunst, p. 576, wrote that architecture "is music in space, as it were, a frozen music." Sometimes the passage is rendered as "Architecture in general is frozen music."
Certainly earlier than Goethe, and perhaps earlier than Schelling, Madame de Stael: "The sight of such a monument is like a continuous and stationary music." Corinne (1807) bk. IV, ch. 3
Don't give me any credit for encyclopaedic knowledge: the information is all from Bartlett's, and a Schelling Web site.


Para certas coisas a língua alemã é muito bonita: já repararam no ritmo e na organização da frase de Goethe? Eu, a arte de construir...

A comparação é interesante: subalterniza a arquitectura a outra arte (é como se fosse... mas sem o tempo - uma espécie de música a 3 dimensões quando aquela é a 4) mas, por outro lado, revela-lhe o carácter sensorial - não se sentiram tocados pelo extremo de um acorde, por aquele momento onde os sons parecem prolongar-se num mesmo instante, um instante supremo de êxtase? Pois a arquitectura é isso mesmo.

janeiro 24, 2004

DANÇAS OCULTAS

Chego atrasado mas a tempo. O Crónicas da Terra já tinha escrito, e bem.

Só por eles (se mais não fosse) valeria a pena o espectáculo de hoje do ballet Gulbenkian.

Muito bons, muito bons, muito bons. Para quem se mostrava preocupado com o reduzido número de artistas portugueses existentes para cumprir a cotas da lei, aqui fica mais um exemplo dos que há que sobram para encher a rádio toda.

DELICADO


© Alceu Bett / Agência Espetaculum

Coreografia
GILLES JOBIN
Música original
CRISTIAN VOGEL
Figurinos
KARINE VINTACHE
Desenho de Luzes
YANN MARUSSICH
Assistente do Coreógrafo
JEAN-PIERRE BONOMO
Estreia absoluta
21-01-2004
BALLET GULBENKIAN
GRANDE AUDITÓRIO GULBENKIAN (LISBOA)


Não sei se é uma asneira mas, para mim, dança contemporânea é um movimento excêntrico, de fuga do centro, um pouco como o barroco, expansivo, explosivo. Os corpos, nos seus gestos, na interacção com os outros nada têm de delicado. Delicados são os ritmos, a beleza dos encontros, a plasticidade dos momentos onde, por um instante, todos encontram um ponto de equilíbrio.

Ideias anarquicamente expostas, como a aparente anarquia da coreografia.

THE HORROR... THE HORROR...



Perturba-me saber que este olhar descrente da realidade próxima pode ser vivido em tantas partes do mundo. No presente, como no passado. Como no futuro. Homo homini lupus. Mas com tanta satisfação?

janeiro 23, 2004

ELE HÁ TÚNEIS E TÚNEIS

Hoje, em Lisboa, entre o Areeiro e o Campo Pequeno, utilizei um túnel classe E - do tipo o-que-é-preciso-é-fazer-e-não-me-lixem-com-as-leis-que-com-elas-posso-eu-bem.

Daqui a três anos, provavelmente, terei à disposição (se as filas não forem intermináveis e os engarrafamentos uma constante) um túnel classe D - do tipo o-que-é-preciso-é-fazer-e-não-me-lixem-com-as-leis-que-com-elas-posso-eu-bem.

Qual é a principal diferença? Bom, os segundos são feitos quando a esquerda está na oposição, os primeiros, não.

Qual é a semelhança? São todos mandados fazer por Presidentes em absoluto estado de Depressa-vamos-lá-a-fazer-essa-merda-antes-das-eleições.

O BARRA 73

Nesta polémica em tom baixinho acerca daquela coisa feita em 1973 que abriga no chapéu da autoria dos projectos de arquitectura tanto os "legítimos" como os "filhos d'outrém" - engenheiros, construtores civis - há várias coisas que seriam perfeitamente dispensáveis e que, se calhar, são evidências do porquê da manutenção deste estado de promiscuidade.

Em primeiro lugar, a falta de uma posição dura por parte da classe (eu disse dura e não audível). Porque será que não se ouve nada do lado dos consagrados? Será porque trabalho não lhes falta?

Em segundo lugar, a transferência do rancor para os engenheiros em geral (querem lá eles saber dos projectos de arquitectura) em detrimento do Estado, esse sim o grande responsável pela situação.

Finalmente, a persistência em citar números que não têm nada a ver com a realidade. Não é verdade que só 10% da arquitectura feita em Portugal seja assinada por arquitectos (nem contabilizando por projecto e não por área projectada) - não é essa a minha experiência e não será a da maioria dos intervenientes. O que é verdade - e o que a classe não quer discutir - é que muita da arquitectura "civil" feita em Portugal é projectada por desenhadores e assinada por arquitectos. (Quem se queira dar ao trabalho de pesquisar nos arquivos do Alto da Eira (quando forem reabertos a consulta pública) verificará quantos arquitectos assinaram quantos projectos em Lisboa nos últimos 10 anos e verá a sobre-humana capacidade de trabalho de meia-dúzia deles). Por onde andou a mãozinha do engenheiro nestes casos?

É fácil olhar para um mamarracho e concluir que é por causa da lei vigente que ele existe. É falacioso. Mas é confortável.

janeiro 22, 2004

FICHA TÉCNICA DA HABITAÇÃO

Até que enfim. Há mais de 10 anos que defendo esta medida.

"Um complicómetro; um exagero" diz o porta-voz da APEMI
"Mais custos, mais burocracia" diz o homem da associação dos industriais da Construção Civil.
"É preferível ter acesso aos projectos no site da Câmara Municipal" diz não sei quem.

Lérias. Com este documento, desde que se cumpram as respectivas sanções aos incumpridores, é mais difícil comer gato por lebre.

Mais difícil... não impossível. Muito longe de impossível, aliás. Distraídos a endividar-se para uma vida interira por um barrete continuará a haver muitos. Mas é um princípio. Espero que os processos comecem e os tribunais despachem céleres. (Eu sei que estou a ser lírico, mas estou tão positivamente surpreendido com a medida que me permito sê-lo só por hoje).

Desenvolvimentos possíveis:
- Casas a serem vendidas com o item "ficha técnica detalhada" no caracterização de andar de luxo;
- Acréscimo de falências fraudulentas de construtores civis pouco dispostos a pagar indemnizações por falta de cumprimento do descrito na ficha técnica;
- Aumento de trabalho para os consultores na área da avaliação;
- Directores de obra citados pelo tribunal para esclarecer o porquê de não se ter construído de acordo com o projecto.

O QUÊ? - AINDA ESTÁ LIVRE?

"Abílio Curto na iminência de ser preso" (título do Público)

Relembre-se que a sentença tem quase 6 anos.

THE BELLY OF AN ARCHITECT

Terá a barriga da idade que o seu estruturado pensamento arquitectónico faz pressentir? A mão que escreve os textos da |a|barriga|de|um|arquitecto| ou pertence a um fenómeno de precoce lucidez ou a alguém que já percorreu as vias sacras da profissão. Que sabe o essencial que é projectar em equipa pluridisciplinar. Que sabe que a arquitectura, para ser grande, tem de perder a arrogância dos auto-iluminados e ganhar a humildade de quem tem sempre muito para aprender. Bem-vindo.

Aproveito para, pegando num dos seus posts, deixar um desafio: no excerto do discurso de Christian de Portzamparc apresentado há um tema que gostaria de ver discutido: a qualidade de arte da arquitectura. Começo: se arte é incomodidade, se arte é trazer para o presente o olhar do futuro, como conciliar isso com a necessidade de conforto que a arquitectura implica?

janeiro 21, 2004

NOVOS COMENTÁRIOS

Face aos comentários desagradados com a resposta do servidor de... comentários, mudei de casa. Sempre quero ver se agora as palavras lá inscritas vão crescer.

A REABILITAÇÃO URBANA E LISBOA (IV) - RENDAS E GENTRIFICAÇÃO

Muitas têm sido as vozes ("liberais", senhorios, construtores) que têm defendido que um dos maiores entraves à reabilitação dos edifícios antigos é o da falta de revisão da lei do arrendamento. Ainda que não concorde com uma posição tão generalista (as rendas novas podem ser actualizadas de acordo com a inflação, o limite temporal de um contrato de arrendamento é de 5 anos) não posso deixar de aceitar que a manutenção de rendas completamente desajustadas da realidade económica actual será talvez a principal responsável pelo estado de preocupante degradação dos apartamentos com arrendamentos muito antigos.

O problema da resolução das rendas é que mexe com tantas variáveis de "domesticação" difícil que se torna mais fácil (e politicamente menos oneroso) deixar como está. É mais fácil deixar os bairros apodrecerem de abandono e construir-se ao lado - há taxas municipais a cobrar, impostos a colectar, mais mão-de-obra empregada, etc., etc., etc. É mais fácil não ver reportagens de como velhinhos e indigentes com famílias numerosas passaram a viver debaixo da ponte porque foram expulsos por falta de pagamento de rendas exorbitantes. É mais fácil, enfim, nada resolver, deixando o ónus da decisão para quem vier a seguir. O que é facto é que tanto o Estado como as autarquias não têm coragem para exigir o cumprimento da lei vigente (por exemplo o art. 9º do RGEU que obriga à realização de obras de conservação com um intervalo máximo de 8 anos) porque as rendas cobradas não cobrem mais do que uma fracção do que seria necessário gastar levando a uma degradação acentuada do parte habitacional. Por outro lado, há uma certa maleabilidade na classificação de degradação que levaria à interdição de uma edifício ou fracção: os penalizados seriam os inquilinos (que seriam obrigados a sair) e não o proprietário (o prejuízo pela perca da renda seria mínimo) - um caso de pagar o justo pelo pecador.

Eu defendo a liberalização com a atribuição de subsídios a pensionistas e famílias com reconhecida incapacidade de geração de rendimentos. Sendo que o dinheiro gasto pelo Estado nesses subsídios seria em grande parte recuperado nos impostos cobrados directa ou indirectamente (IRS/IRC sobre as rendas, IVA, IRS, IRC, taxa social, sobre custos das obras de conservação e remodelação). Essa liberalização seria controlada pelo valor real da propriedade - o que implicaria uma actualização prévia da mesma de acordo com o código das avaliações que seria necessário criar (como se vê, toda uma série interligada de medidas, coisa difícil de fazer neste país) -, garantindo algum freio e bom senso.

Com a reabilitação de edifícios e a realização de novos arrendamentos, ocorrerá inevitavelmente um fenómeno de gentrificação. Fenómeno preocupante para certa esquerda instalada no poder que o tentou evitar a todo o custo, convencida que tais alterações iriam destruir o "carácter" dos Bairros Históricos (nunca se definindo muito bem o que era esse "carácter") . Ora manter o status quo existente é artificial e exterior - viver implica evoluir e evoluir implica mudar e quanto a isso não há nada a fazer excepto, talvez, matar.

CATÁLOGOS

Neste tempo de sínteses e catalogações, de imagens mediáticas, muito primarizadas e sem tonalidades nem contrastes, é inevitável que a maior parte dos blogs tenda a arrumar os seus links em grupos, de acordo com o que pensam ser a orientação geral de cada blog. A dificuldade dessa simplificação é manifesta em muitos dos casos, sendo tão heterogénea a temática neles apresentada como, provavelmente, a variedade de interesses dos seus autores. Muitas vezes essa classificação e divisão é mais reveladora do autor da mesma do que dos blogs que classifica (onde se incluirá provavelmente a opção deste planeta, por exemplo). Divertido fiquei com os títulos de algumas prateleiras onde me arrumaram: arquitectura num caso, "politicologia" noutro. Não estou contra; de certeza que quando comecei não me encaxaria em parâmetros tão estranhos, mas é mais uma maneira de perceber como me lê o mundo. Os outros. Lá fora. Eu sempre achei que este era um wird planet.

DIÁRIOS NA NET E DIÁRIOS EM LIVRO

Acerca da aproximação que JPP tem vindo a tentar entre blogs e diários de escritores editados em livro, escrevia-me uma amiga manifestando-se radicalmente contra. Se a síntese me saiu bem, defendia ela que enquanto os diários são um trabalho em solidão, de solidão, revelados ao público a posteriori, os blogs alimentam-se das reacções dos seus leitores em paralelo à sua execução. Num é um processo sem rede, sem escutas, sem incentivos; no outro, um processo pragmático. Num, uma solidão às claras; no outro uma solidão disfarçada pela comunidade próxima. Logo, experiências (e resultados) não comparáveis.

Tenho pena que não exponha estas posições com mais visibilidade. Seria interessante uma oposição com as mesmas armas (audiência, cultura, peso) ao pouco contestado "papa". Assim, fica reduzida a este coxo canibalismo que poucos lerão.

Para mim, tempos e modos à parte, um diário é sempre um diário, um prémio de consolação autorizado aos "Peeping Tom" que todos portamos dentro de nós (portamos - existe mesmo ou é um devaneio das minhas little grey cells envelhecidas?), uma possibilidade de entrarmos na área privada, mesmo que condicionada, mesmo que inverdadeira. E essa inverdade de sentimentos, de pontos de vista, esse calculismo de projecção pública do eu, tanto aparece num lado como no outro.

janeiro 20, 2004

WHAT'S THE BUZZ?

Ir a um blog que nos leva a outro blog que nos mostra uma paixão recente.

mylifeisagame. Lembras-te de Salieri?

[for the record: gosto da Íntima, passei a gostar dos Pavés, e partilho o seu emblogamento pelo life/game]

REPITA LÁ ISSO DEVAGARINHO SFF

"Os portugueses não têm o direito de saber tudo o que vem nos processos mas apenas o que o legislador democraticamente eleito, decidir que eles devem saber" PGR Souto de Moura

BRASÍLIA

Apesar das ideias sintetizadas nas frases transcritas no post anterior, apesar da generosa e enorme boa-vontade de todos os intervenientes na planificação e criação da cidade (boa-vontade e preocupação com o homem que se estende a todo o movimento moderno), Brasília é uma cidade que falhou. Linda, extasiante de se ver - mais ainda se fôr "vista" nos planos, nas vistas aéreas, nas fotografias, nos pormenores - e de se ler, Brasília tem uma convivência difícil com os seus habitantes e mesmo com os seus visitantes (à partida, devotos fieis). A taxa de suicídios é elevada, a secura opressiva (níveis de humidade baixíssimos que nem o lago artifical conseguiu evitar), a falta de "vida" - bulício, anarquia, ritmos heterogéneos - evidente. É uma cidade impossível de ser conhecida a pé.

Demasiada racionalidade na sua concepção? Reduzido tempo de maturação?

E, no entanto, há gestos, riscos, tão avassaladores que enchem o dia. As vigas, mãos, que se erguem em oração na Catedral; a geometria depurada das duas cúpulas do Senado e Câmara de Deputados; o pássaro/avião/cruz que, pousada no planalto, anuncia a alvorada de uma nova ordem; a escultura/arquitectura de Niemeyer que tudo reinventa. Gestos, riscos...

KEEP IT SIMPLE

Num pequeno livro de divulgação destinado originalmente aos professores brasileiros do ensino médio (Arquitectura, Biblioteca Educação É Cultura, iniciativa conjunta do MEC-Fename e da Bloch Editores SA, 1980), mestre Lúcio Costa sintetiza deste modo esta arte:

arquitectura é coisa para ser exposta à intempérie;
arquitectura é coisa para ser concebida como um todo orgânico e funcional;
arquitectura é coisa para ser pensada, desde o início, estruturalmente;
arquitectura é coisa para ser encarada na medida das ideias e do corpo do homem;
arquitectura é coisa para ser sentida em termos de espaço e volume;
arquitectura é coisa para ser vivida.

janeiro 19, 2004

O QUARTO DO FILHO

5ª feira às 22 horas, a não perder. Que nome damos a quem perdeu um filho?

SETE PALMOS

Interessante teoria da arte: "o fígado e o estômago são os vossos melhores juízes porque são os que estão mais longe do cérebro".

A ARCA DE ALEX



ROKIA TRAORE - Wanita

Da Arca de Alex saiem sons mágicos, encantamentos vindos de outras visões do mundo, serenatas sem destinatário óbvio. Gosto de me sentir europeu humilde, presente ante culturas tão venerandas e estruturadas que desmoronam com rapidez este conceito de supremacia cultural do ocidente.

IN MEMORIAN

Minha laranja amarga e doce
meu poema
feito de gomos de saudade
minha pena
pesada e leve
secreta e pura
minha passagem para o breve, breve
instante da loucura

Minha ousadia
meu galope
minha rédea
meu potro doido
minha chama
minha réstia
de luz intensa
de voz aberta
minha denúncia do que pensa
do que sente a gente certa

Em ti respiro
em ti eu provo
por ti consigo
esta força que de novo
em ti persigo
em ti percorro
cavalo à solta
pela margem do teu corpo

Minha alegria
minha amargura
minha coragem de correr contra a ternura.

Por isso digo
canção castigo
amêndoa travo corpo alma amante amigo
por isso canto
por isso digo
alpendre casa cama arca do meu trigo

Meu desafio
minha aventura
minha coragem de correr contra a ternura

ALARVIDADES

Mesmo jurando por todos os santinhos de todos os Olimpos não mais me deixar surpreender pelas boutades, asneiras, desbocamentos, infantilidades, irresponsabilidades, boçalidades, imbecilidades, inconsciências, incongruências, ignorâncias, injustiças, cabotinices, canalhices, compadrios, vilanagens e tudo o mais que por palavras, actos e omissões, o meu país, os seus servidores e representantes têm por hábito dizer, fazer ou ignorar, é mais forte do que eu- continuo a abrir a boca de espanto.

Depois de ouvir o ministro das Obras Públicas - engenheiro civil de formação - dizer que é habitual "os concursos serem lançados com ante-projectos sendo os projectos de execução feitos a posteriori, muitas vezes durante a obra" (eu ouvi, não li uma transcrição de um jornalista ignorante na matéria) não sei se me devo espantar com uma das seguintes hipóteses alternativas: a irresponsabilidade de quem lança a concurso uma obra orçamentada com base num documento tão vago ou a desfaçatez de um ministro que mente com todos os dentes que tem na boca. Depois não se façam admirados com casos como o da ponte de Coimbra.

É que é tão impossível de aceitar esta situação por quem perceba o mínimo do que é um projecto de arquitectura ou engenharia, por quem saiba um pouco das condições de um concurso público que... se fica sem palavras para adjectivar os comentários do ministro. (A esquerda que não comece já a atirar pedras: foi o anterior Presidente da Câmara João Soares que disse que o que era importante era licenciar o projecto de arquitectura - as especialidades eram só pormenores (adivinhe-se: para justificar a "clandestinidade" das obras do Colégio Moderno)).

janeiro 18, 2004

Alexander Rodchenko


Alexander Rodchenko
Gathering for the demonstration
in the courtyard of the VChUTEMAS
(Higher Institute of Technics and Art)
1928

© Estate of Alexander Rodchenko/VAGA

Gosto nesta imagem da radical oposição entre os participantes e os que passam sem ligar, entre a espectadora que se debruça da varanda e a sua vizinha que, no andar debaixo, prossegue alheada com o seu quotidiano. O acontecimento seria importante no contexto local (ou pelo menos no contexto de quem o preparava) e a fotografia, com o registo para a posteridade, confirmava a importância que o autor lhe atribuiria. E no entanto, para os outros, para os que estavam fora dessa informação, nem a ordem que o grupo de manifestantes com o seu alinhamento, os seus uniformes, introduz na desordem do espaço é suficiente para os fazer mudar de percurso, para parar e observar, para parar e apreender informação. Não há empatia, nem sequer curiosidade: são dois mundos que não se tocam. O povo ignora a revolução.

Repare-se nos alinhamentos que se formam na identificação dos tons e na oposição das reacções: o branco da vizinha que varre com o claro dos manifestantes; o escuro da vizinha que observa com o negro dos passantes. E o negro das manchas da rua que igualmente parecem afastar-se dos manifestantes.

FLORBELA

Cumpriu-se o chá de poetas prometido na Ludotopia. Muitas perguntas e nenhuma resposta definitiva, como é bom que aconteça. Demasiada paixão para tão limitativo veículo, tão limitados objectos.

VIAJANTES DESPREVENIDOS

Recomendo vivamente a utilização de chanatas de borracha a todos os viajantes que passem pelo Aeroporto da Portela. Os detectores de metais ou tomaram uma dose reforçada de zelo ou foram atacados por uma irreprimível solidariedade americana - farejam tudo quanto tenha a mais remota ligação a uma constituição metálica. Foi por isso que passei pela nóvel experiência de ter de retirar - para além dos habituais chaveiro, porta-moedas, relógio, óculos, máquinas, mochila - cinto e - pasmem! - sapatos (leram bem: sapatos!), para que a irritante buzina detectora se acalmasse. Não imaginam uma fila de passageiros sem sapatos e a segurar as calças com a mão? Vão ao aeroporto.

REPÚBLICA DOS AÇORES

Eu não sabia mas, algures no passado, os Açores tornaram-se independentes. Ou pelo menos no aeroporto João Paulo II em S.Miguel estão todos convencidos que sim. Que outra razão haveria para exigir a apresentação do BI/passaporte a todos os passageiros? Quem em Angola se faça isso aos passageiros dos voos internos, vá lá, estiveram em guerra, ainda mantêm os tiques dos estados socialistas... Mas nos Açores? Olha se a moda pega e começam a exigir identificação a quem sai da A1...

janeiro 15, 2004

PUB E RIVALIDADE

Por mail chegou-me esta variação de amizade oficial e rivalidade profunda entre vizinhos.
A primeira imagem é a de um outdoor com publicidade a preservativos colocado na Argentina antes de uma partida de futebol com o Brasil:
(legenda: "Ya estamos pensando en la revancha")

As próximas, são a resposta brasileira, depois da vitória da sua selecção, por 3-1:

(legendas: "No fue la primera vez. Tampoco la ultima. Brasil 3 x 1 Argentina"; "Brasil 3 x 1 Argentina. Ui, deve ter doído)
Repare-se que a primeira foi a resposta publicada na Argentina, a segunda no Brasil.

janeiro 14, 2004

ADIÇÕES

Miss Berlinde, eu não sei quem é, sei que vive na Holanda, tira óptimas fotografias e faz com o Photoshop (ou similar) o que quer. Bem haja.

Ludotopia, 17 às 17 e a vez de Florbela. Ideiafix (o Obelix mais ainda) porque sim.

(Gosto destes códigos que só eu entendo)

VERNISSAGE OLÁ

Como ando distraído, não sei se já foi ou vai ser o lançamento do primeiro livro de 2004 do presidente da CML, do qual recomendo leitura atenta. Como é o primeiro, um Beaujolais fresquinho e inconsequente, espera-se que se lhe perdoem fraquezas da juventude. Acho que se chama "Pausas na Cultura" ou coisa assim parecida.

A ARCA DE ALEX

Caetano sobrevive bem a qualquer trato. No quarteto de Barbara Casini, vive muito bem. Arranjos "jazzy" (será que isto soa depreciativo?), uma voz com um timbre a lembrar, em alguns registos Gal, bom feeling, italianos bons.

A REABILITAÇÃO URBANA E LISBOA (III)

Ainda que o tenha feito de uma forma incipiente, com uma falta de preparação teórico-prática específica dos intervenientes só compensada pela extrema boa-vontade dos mesmos, cabe ao PSD (mais propriamente ao Arq. Vítor Reis) a medalha pela introdução de um movimento oficial de reabilitação dos bairros históricos na Câmara de Lisboa. Glória escassa, já que a vitória da coligação PS-PCP no final de 1989 viria a apagar oficialmente o trabalho entretanto produzido. Com efeito, em todos os documentos produzidos a partir daí é notório o apagão histórico: não existem referências ao passado, a Reabilitação Urbana inaugura-se em 1990 com a criação da DMRU.

Direcção Municipal criada à medida do seu primeiro Director - Filipe Lopes, arquitecto, soixante-huitard e velha raposa dos meandros políticos e municipais, essenciais para a afirmação do poder na novel direcção – com competências excessivas para uma entidade que necessitava de ser eficaz e rápida na intervenção (a degradação dos edifícios não espera pelas complicadas voltas dos processos no interior do município, o reduzido número de funcionários não é compatível com funções paralelas (vistorias para emissão de licença de utilização, por exemplo)), burocratizada por via do hábito e da crescente penalização das decisões contida na legislação, sem uma definida linha de rumo, consequência da ausência de discussão teórica no seu seio e do excessivo ruído provocado por meia dúzia de técnicos conotados com o director. Direcção Municipal que, apesar dos recursos de alguma forma consideráveis postos à sua disposição, nunca conseguiu apresentar obra feita na proporção dos mesmos – apesar das estatísticas oficiais (leiam-se os números da Autarquia) afirmarem o contrário.

Uma das opções mais discutíveis – os realojamentos de habitantes moradores em fogos interditados ou em edifícios com empreitadas (coercivas ou de iniciativa municipal) – foi responsável pelo gasto de percentagem significativa do orçamento, já que, a partir do momento em que o número de realojamentos ultrapassou o número de fogos municipais disponíveis, se passaram a conceder subsídios de realojamento (entre 60 e 120 contos a preços de 97, variando conforme o agregado familiar), com uma duração temporal que, por via dos atrasos no desenvolvimento de projectos e empreitadas ultrapassou os 3 anos (haverá casos em que esse horizonte temporal ultrapassa os 5 anos).

Outro posicionamento discutível foi o da primazia dada a licenciados em arquitectura na atribuição da chefia dos Gabinetes Locais, não tanto pelo seu nível de competência mas pelo olhar parcial que revelaram em relação ao tipo de intervenção a prosseguir na reabilitação dos edifícios: durante muito tempo, a preocupação do reabilitar (igualmente influenciada pelo enquadramento do programa RECRIA, claramente orientado para edifícios do tipo “gaioleiro”, com outras prioridades e nível de degradação) centrou-se no visível – coberturas, fachadas, interiores, redes de infraestruturas, eventualmente introdução de instalações sanitárias – esquecendo-se o fundamental – condições estruturais endógenas e exógenas. Reabilitaram-se edifícios conforme as urgências; espalharam-se “renovações” pontualmente, no meio de quarteirões degradados, sem o mínimo de coerência estrutural; chegou-se ao ponto de introduzir novos edifícios em estrutura porticada lado a lado com coevos e mastodônticos edifícios em estrutura de parede resistente, ignorando (quase criminosamente) o provável comportamento destrutivo que este provocará no primeiro na ocorrência de um sismo. Hoje em dia, é frequente verem-se edifícios com patologias várias notoriamente induzidas pelo debilitado estado estrutural, nos quais ainda se notam, ténues, as marcas de uma reabilitação efectuada há 5, 6, 7 anos.

Na ausência de uma definição clara dos limites – até que ponto é aceitável reabilitar, até que ponto se torna imprescindível preservar – as decisões ficaram nas mãos de uma opção casuística, fruto de uma opinião subjectiva de um técnico. Nesta errância se consumiu tempo, se consumiram recursos, se consumiu a paciência e a disponibilidade dos intervenientes, se desbaratou a fé das populações nos projectos. O que mudou nos dois últimos anos?

janeiro 13, 2004

MEMÓRIA

Nas Crónicas da Terra, notícia da colecção de discos de fado do início do século na posse de um inglês. Descubro, na lista de artistas, o nome de um bisavô. Gostava de o ouvir. Poder atribuir uma voz a um nome memorizado desde sempre, humanizar quem, até agora, não passa de uma referência. Tornar o passado presente. Tentativa condenada ao fracasso: haverá por aí alguém que conheça quem conheça quem tenha uma gravação de Almeida Cruz?

VIAJAR

Michael Palin, no Sahara (na 2:- dois dois pontos são quatro pontos?). Viajar é a maneira contemporânea de exprimir a herança nómada que recebemos, acho que Chatwin disse qualquer coisa como isto. O Público de Sábado fala da Patagónia (associação de ideias porque lá se referia que a densidade populacional é inferior à do Sahara Ocidental).Viajar é um desejo, uma tentação, uma volúpia. Saborear o prazer de voltar a casa para logo sentir uma vontade enorme de partir. Descobrir, descobrir sempre.

Não há uma alma caridosa que me encomende um diário de viagem à volta do mundo?

TORRE(ÕE)S

Deve Lisboa ter torres? Sim - é inevitável.
Se a cidade de Lisboa tem vindo a decrescer em termos populacionais de uma forma continuada desde os anos 80;
Se mais de um terço da área construída se encontram devolutos;
Se há ainda muita área livre para construção;
Porque é que é inevitável a construção de torres? É inevitável para quem?

janeiro 12, 2004

CARRILHO POUCA-TERRA

Se a pretensão de Carrilho, lançada neste fim-de-semana, de ser candidato a candidato à Câmara de Lisboa é séria, o seu arranque parece a partida das locomotivas a vapôr: um rodar inicial sem sair do mesmo sítio, seguido de um "pouca-terra-pouca-terra", muito pachorrento.

Só ouvi banalidades (confesso que enjoei a meio e mudei de posto): parece que a principal justificação é fazer melhor do que PSL. Mas como é fazer melhor? É não fazer o túnel do Marquês? Como se dá qualidade de vida aos lisboetas? Que soluções para a cidade? Que futuro para os bairros históricos para os bairros periféricos? Como combater a erosão da população? Que estratégias de interligação com os restantes concelhos da Grande Lisboa? Que solução de longo prazo para o S. Jorge e para os inúmeros teatros municipais? Nada. Zero. Só generalidades inócuas. Dir-me-ás que isto é uma primeira abordagem. Que um presidente tem de ser, principalmente um bom gestor de ideias e pessoas... Tretas. Quem não tem ideias arrisca-se a apostar nas ideias erradas - como se vê, no presente, com PSL.

O raciocínio que aparece subjacente a esta movimentação, por enquanto parece ser só este: tu és janota mas eu sou mais janota, tu apareces nas revistas mas eu apareço mais, tu tens mulheres giras mas a minha é mais gira, logo tu és presidente da câmara mas eu vou ser melhor.

Bah.

O EXPRESSO NIEMEYER

Ainda não percebi se é o Expresso que, aproveitando as mudanças gráficas entrou num PTEC (Processo de Tabloidização em Curso) ou se a Arquitectura já alcançou o patamar do futebol, atingindo foros de especulação idênticos. Qualquer que seja a explicação a notícia de primeira página relativa à Catedral de Lisboa e a Oscar Niemeyer é uma palhaçada.

Em nenhum ponto do desenvolvimento justifica o jornalista a afirmação do título - segundo o mesmo, PSL apenas respondeu "seria uma boa ideia" à sua pergunta. Concluir que o convite já vai a caminho, parece uma daquelas manchetes encomendadas pelos empresários futebolistícos aos jornais desportivos. Neste caso, o empresário poderia ser o PCP: afastado do poder lisboeta, procuraria através do Expresso, forçar a candidatura e a escolha de um arquitecto "dos seus", deixando assim na cidade, uma marca que o seu exercício do poder não conseguiu.

O único óbice a esta movimentação, parece ser o arquitecto escolhido: ainda que brilhante, está pouco na moda mediática e tem a mania de deixar um cunho ideológico nas suas obras (vejam-se, por exemplo, o monumento a JK ou o memorial da América Latina), : olha se o homem se lembra de estilizar uma foice e um martelo na torre da catedral? Livra!

ANEDOTA ACTUALIZADA

Há muitos anos, quando a África do Sul era a tristeza de país que era, contava-se uma anedota - mórbida como os tempos - acerca de um caso de atropelamento levado a julgamento, acabando o peão, de raça negra, condenado por destruição de propriedade alheia (o carro) e por invasão de propriedade (o terreno para onde teria sido atirado pelo embate).

No Expresso desta semana, um artigo de opinião de António Marinho (na internet só disponível para subscritores) revela que, a serem verdadeiros os factos, a anedota foi actualizada e os pressupostos jurídicos sul-africanos se transferiram para este país: "UM CONDUTOR com 2,73 de alcoolemia atropelou dois peões, matando um deles e ferindo o outro com gravidade. Cinco anos depois, foi julgado e condenado em... 50 contos de multa e 1 mês de inibição de conduzir. Após o julgamento, que chegou a ser adiado cinco vezes por faltas do arguido, o tribunal absolveu-o dos crimes de homicídio por negligência e de ofensas à integridade física por negligência, bem como das contra-ordenações conexas com o acidente."

Vale a pena ler os pormenores. Os peões caminhavam do lado esquerdo da estrada - uma recta com boa visibilidade - e foram abalroados pelo lado direito do veículo (se a minha geometria está certa, isto implica um despiste quase total). Ignorando o grau de alcoolémia do condutor, a sentença diz que "(o condutor) não podia prever o aparecimento dos peões a caminhar do lado esquerdo da via" concluindo, "o arguido não violou qualquer norma estradal ou dever geral de cuidado que lhe eram impostos".

Gostaria de conhecer o nível social e económico do arguido e das vítimas, os movimentos bancários de todas as contas em bancos nacionais e estrangeiros dos envolvidos no processo, a lista de eventuais familiares e amigos comuns ao arguido e aos autores da sentença e o QI dos meretíssimos. Algures nesses dados se encontrará a explicação para tão iluminada sentença.

OS AÇORES

Impediram-me o contacto com este vício. Levei portátil. O hotel anunciava ligação disponível. O software não se casou com o hardware e eu fiquei pendurado. Fui ver as montanhas cheias de nevoeiro, o que até foi interessante.

janeiro 08, 2004

Autoridade admite «lista negra»

Em declarações à LUSA, fonte do INAC admite a existência de uma lista - confidencial - de companhias aéreas e aviões proibidos de sobrevoar Portugal.

Ainda bem. Agora, quando incautos turistas portugueses, a caminho de destinos exóticos em pacotes de viagem ao preço da chuva, tiverem o azar de estar entre as vítimas de uma dessas viagens mortais, o INAC pode vir, contente, dizer que já estava avisado.

SE ISTO É UMA ATERRAGEM...

"Helicóptero norte-americano forçado a aterrar. Nove mortos" Telejornal

NÃO PAGAMOS...

Ando com a notícia no bolso há uns dias, encalhada em qualquer coisa que não sei muito bem o que é: o Director-Geral das Finanças decretou que os funcionários das finanças não são obrigados a pagar multas quando ao serviço do Estado. Isto, diz a notícia, na sequência de um imbróglio em que se meteu, depois de se ter recusado a pagar uma multa que lhe foi passada pela EMEL por estacionamento indevido.

O que a encalha, pode ser qualquer coisa como isto:

- O senhor Director-Geral achar normal que se infrinja a lei quando ao serviço do Estado (algo parecido como o Presidente da República condenar o frequente desrespeito dos limites de velocidade pelos condutores portugueses e ser apanhado, numa viagem do Porto para Aveiro, a circular no carro oficial a mais de 160km/h) o que permite a conclusão de que, para ele ou a lei é uma coisa a que se podem sobrepor os interesses do Estado ou que há portugueses de 1ª (os que podem ignorar as regras) e portugueses de 2ª;

ou

- O senhor Director-Geral ter entendido que é perfeitamente natural ser-se juiz em causa própria.

Ora como o Estado me leva em impostos mais de 1/3 do que ganho, é perfeitamente admissível eu considerar que, quando estou a trabalhar, estou ao serviço do Estado. Pelo que decidi e torno público que, a partir de hoje, tenho todo o direito de não pagar multas.

janeiro 07, 2004

A REABILITAÇÃO URBANA E LISBOA (II)

Qual é a fronteira económica a partir da qual se torna irresponsável reabilitar um edifício? A esta pergunta não conheço nenhum responsável (antigo e muito menos actual) que tenha tido a vontade de responder. Se o edifício fôr um monumento nacional, parece simples: não há fronteira; nunca é irresponsável o montante utilizado na sua conservação e manutenção. Se o edifí­cio fôr um anónimo prédio de rendimento, a fronteira também é fácil: se a recuperação fôr mais onerosa do que o ratio nova construção/rendimento, é suicida... (ainda que a legislação proibitiva que temos teime em achar que não - com o dinheiro dos outros é fácil fazer flores).

A dificuldade está naqueles edifí­cios que, por razões históricas, afectivas, de conjunto, estão entre o que gostaríamos e o possí­vel. Reabilitar bem é caro. Reabilitar bem significa reformular, reforçar, renovar estruturas; refazer redes eléctricas, de abastecimento de água, de esgotos; fazer redes de gás. Significa, em muitos casos, criar instalações sanitárias, criar condições de salubridade, criar condições de conforto mí­nimo. Tanta coisa para áreas exí­guas, muitas vezes incumpridoras do Regulamento Geral das Edificações Urbanas. Tanta coisa, o que se traduz em valores por metro quadrado superiores aos fixados para a construção da habitação social. E quem paga o investimento? O Estado, depauperado e em crise financeira? Os senhorios, recebendo rendas irrisórias, a maior parte delas inferior a 5 euros? Os inquilinos, a maioria reformados com reformas mí­nimas? Claramente se torna necessário criar condições de auto-sustentabilidade dos edifícios recuperados - mas como, se não há condições para actualizações de rendas e a oferta arquitectónica (falta de espaço para estacionamento, ausência de elevadores, espaços exí­guos) não são de molde a convencer inquilinos novos?

O FUTURO CASAL VENTOSO

PSL aposta nos projectos mediáticos. A vereação aprovou por unanimidade o projecto para o futuro Parque Urbano. Resta saber, num orçamento tão sobrecarregado pelo outro parque e pelo túnel do Marquês, se a ideia será para concretizar ou é mais cuja culpa vai morrer nas costas dos serviços.

Algo me diz que, naquela encosta, nos próximos anos, talvez umas arvorezitas para as fotografias do início dos trabalhos. O resto...

janeiro 06, 2004

ANGULAS

Estou de alma e coração com o Ministro Theias, na sua cruzada contra a pesca clandestina de enguias-bébé e consequente extermínio da espécie, em paralelo com a destruição dos sistemas ecológicos do estuário do Tejo.

Mas só quem nunca comeu um revuelto de ovos ainda húmidos, fumegantes, com umas pontas de espargos verdes e uma mão-cheia de angulas só escaldadas, pode evitar um salivar de gula quando escuta, embrulhado em torpes actividades, esse nome tão mágico, tão evocador.

janeiro 05, 2004

AINDA HÁ UTOPIAS

Utopia é nome de família de um projecto bonito que começou recentemente. Neófito é o blog seu descendente directo.

Ludotopia. Gosto muito de te ver por aqui.

SETE PALMOS DE TERRA

Largar tudo - TUDO - e ir a correr sintonizar A 2. Durante uma hora ter o prazer de ver a melhor série de televisão produzida nos últimos anos (depois de Monty Python's Flying Circus, Brideshead Reviseted, Twin Peaks, X-Files).

Começou. Vão. Vou.

CIDADES IMAGINADAS

Não cidades imaginárias: cidades imaginadas. Acompanha-me desde há uns tempos um livro delicioso (de aspecto, de conteúdo, de promessas) que encontrei num saldo para turistas distraídos (suponho que só um turista distraído ou com muito sentido de humor aceitaria guiar-se por um guia impossível). Chama-se "Paris Introuvable" (Éditions Abbeville, Paris, 1997), tradução do original inglês de Karen Elisabeth Gordon - "Paris Out of Hand" - e é, como faz supor o nome, uma colecção de locais imaginados da cidade de Paris.

Fascinei-me com o grafismo, com a capa dura, com o humor, com o sentido que carrega de uma coisa de um outro tempo, anterior à massificação das viagens e à desvalorização do livro como objecto de per si. Mas o que me faz escrever hoje são as tais promessas de que falava há pouco: e se? E se eu organizasse idêntico objecto sobre Lisboa? O que descreveria? Que lugares do coração ou da memória incluiria, que percursos de amantes, que materializações literárias, afectivas, teóricas?

Por certo uma pousada sobre a leitaria de Fernando Pessoa, com quartos esconsos de paredes rabiscadas com versos ou frases soltas, uma solitária casa-de-banho ao fundo do corredor, mesa única na sala de jantar/cozinha, e um cantar de canário a corrdenar as vistas sobre a ribeira de Alcântara ("o celebrizado rio da aldeia do poeta").

Por certo também uma linha de eléctrico sobre a qual eléctricos, inaugurados nos primeiros tempos da República, percorressem toda a cidade antiga, a todas as horas do dia, a todas as horas da noite. Eléctricos onde se poderia beber uma serena bica, comer um absorto pastel, com auscultadores onde se poderia seleccionar um poema relativo a cada espaço dos inúmeros existentes.

Uma rede de tascas que, em cada bairro apresentassem comida de autor, inspirada nos pratos tradicionais da cidade. Tascas, sem preceitos europeus, com toneis de vinho, copos de três, bancos corridos de madeira, ovos estrelados, iscas com elas, túbaros, jaquinzinhos, peixinhos da horta, bifes à cortador, punhetas de bacalhau, fava rica.

O teatro da ópera de D. José, meticulosamente restaurado, no seu fausto de ouro do Brasil, onde uma companhia activa levava à cena, em cada noite, espectáculos de ópera, teatro musicado e ballet.

E...

A REABILITAÇÃO URBANA E LISBOA (I)

O PCP encarava a Reabilitação Urbana dos Bairros Históricos do estrito ponto de vista das populações residentes. Foi esta obsessão programática que deitou tudo a perder. Ao não perceber que recuperação implicava evolução, que a melhoria das condições de habitabilidade implicava necessariamente a introdução de condições e agentes de mercado com a inevitabilidade de alguma intrusão de habitantes exteriores, que, no fundo, não era possível mudar algo (a degradação) sem mudar mais nada (as fracas condições estruturais e arquitectónicas, as rendas irrisórias, a população envelhecida e empobrecida, entre outras), o PCP e os seus actores (juntamente com uma grande dose de imobilismo burocrático, falta de solidariedade do presidente e o próprio desencanto dos vereadores responsáveis) condenaram esta acção ao quase fracasso.

Já o PSD versão Santanista, encara a Reabilitação Urbana sob o prisma da imagem. Politicamente, os bairros históricos são irrelevantes: ganha Lisboa quem ganhar Benfica e Lumiar, o resto são... restos. Os bairros históricos só interessam se se puderem compor para a fotografia a apresentar na próxima campanha publicitária - e para esta composição basta cara pintada e ruas lavadas. É por isso que não existiu um único contributo teórico ou programático oriundo das suas hostes que definisse os rumos da RU na nova vereação. É por isso que se optou por substituir uma directora municipal com uma experiência longa na área por uma licenciada em história da arte com carreira feita noutras áreas. É por isso que, ao invés de mudar a política e manter os técnicos, se optou pela abstrusa acção de manter a política e mudar os técnicos.

Política que não irá a lado nenhum - quando os Projectos Integrados se concluírem, tudo parará pois, entre ausência de definições e centralização dos serviços, não haverá mais nada para fazer.

O que não interessa nada. Nessa altura já PSL estará longe - em campanha presidencial ou noutra cabotinice qualquer. Quem vier que trate de apanhar as canas e refazer o adro.

IMPOSTÍSSIMOS

Neste país de mansos costumes, a revolução fiscal que se inicia este mês com a actualização dos valores prediais parece ir passar sem sobressaltos. Ainda tenho algumas dúvidas se os aumentos de 40, 30 ou 20 vezes (não são 40% são 40 vezes mais) serão bem engolidos por todos mas, neste tempo tão cheio coisas bem mais mediatizáveis e de jornalistas jovens com apartamentos comprados a preços de agora, a coisa há-de passar sem grande circo.

De qualquer forma, para além do que à primeira vista parece justo (se os compradores das casas mais recentes pagam um imposto sobre um valor relativamente realista porque hão-de os donos de imóveis mais antigos serem taxados sobre um valor desactualizado?), há aqui um travo de injustiça mascarada de boas-intenções que se sente. Ora vejamos: porque é que hão-de as famílias ter de suportar a incompetência de um Estado que não soube fazer valer os seus direitos durante todos estes anos, com uma transição tão brutal como esta? Que critério cego é este (já que estamos a falar de justiça fiscal) que actualiza de uma mesma forma apartamentos que tiveram valorizações diferentes (por exemplo, dois apartamentos vendidos na altura pelo mesmo preço, situados em zonas diferentes podem hoje, por evoluções diferentes da conjuntura urbanística, do gosto dos compradores, ter preços diferentes de mercado)? E por fim, que furar de expectativas por parte do Estado - um apartamento antigo valorizado por permitir uma poupança no valor a pagar da contribuição autárquica, desvalorizar-se-à mercê destes aumentos.

De qualquer modo, há um lado positivo neste acumular de impostos a pagar: pode ser que os portugueses se habituem a ser mais exigentes na verificação do modo como o Estado gasta o dinheiro recolhido. Verificação que se torna mais necessária no caso das autarquias (para onde se dirigirá esta arrecadação), designadamente para aquelas onde a preocupação com a auto-publicidade leva a orçamentos concorrentes com os destinados aos de rubricas socialmente mais convincentes.

janeiro 04, 2004

AJUDA

O que é que terei feito? Não consigo aceder a nenhum blog pertencente ao blogspot - sou redirigido para o blogger.com.
Aceitam-se ajudas urgentes, favor enviar para o mail.

PANNE

É de mim ou o blogger entrou em panne geral? Só consigo escrever, não tenho acesso a ninguém.
Is there anybody out there?

janeiro 03, 2004

MUDANÇAS

Algumas, não todas as que desejava (este salmão que vejo discreto no meu monitor é um pavor em monitores alheios) - há por aí alguém interessado em dar uma ajuda? -, mas as mais rápidas: rearranjo dos links, com a inscrição de algumas das mais recentes descobertas, uma nova categoria, a dos meus posts passados que (penso eu de que) merecem uma lembrança.

PRÉMIO MAS QUE DÔR DE COTOVELO!

José António Saraiva candidata-se, desde já, a este prémio com a crónica de hoje do Expresso (quando estiver disponível em versão free, ver aqui).
A frase "O comentário de Marcelo Rebelo de Sousa resulta porque Marcelo, em certa medida, é um comediante" resume o sentimento do autor. Parabéns.
Isto de contar a história à nossa maneira deve ser hereditário.

janeiro 02, 2004

GRANTA 84


Para a direita monolítica que olha com suspeição quem critica a intervenção militar americana mas igualmente para a esquerda ortodoxa que prefere acolher sadam no reino dos mártires a dar o mínimo sinal de simpatia pelos americanos. Para os restantes, mais inteligentes, que preferem não caminhar até à pontinha do fio da navalha mas que, nevertheless, no equilíbrio instável dos tempos presentes igualmente se encontram.

A Granta 84 organizou uma colectânea de textos subordinada ao tema "OVER THERE - How America Sees the World".

Tenho pena de não ter paciência para transcrever alguns do textos - merecem ser lidos -, mas acho que tu também não terias paciência para os ler por aqui. Assim sendo, fica antes a recomendação para a sua leitura directamente do original. Se ainda cá não chegou, deve estar a chegar - pelo menos a FNAC Colombo costuma importar e lá até é bem acolhido o cliente que pega num livro, se senta embrenhado na sua leitura e sai sem levar nada no fim.

PUTING OUT FIRE WITH GASOLINE

Admiro a coragem política do Governo ao fazer coincidir o aumento de 2% do ISPP com a liberalização dos preços da gasolina.

Admiro o ar seráfico do Secretário de Estado da tutela quando diz afirma - contente - que nem todas as operadoras aumentaram os preços, esquecendo-se de referir que a única que não os aumentou, optando por abater 2% à sua margem, é a que é controlada pelo Estado português.

Admiro finalmente a ausência de concertação com os restantes envolvidos no processo (retalhistas), bem como o completo ignorar dos alertas para a alta de preços que a DECO em seu tempo lançou. Ou seja, obrigam sicrano a informar sobre o aumento de preços decidido por sicrano. E, numa altura em que o poder de compra se encontra diminuído, originam uma subida de preços que se poderá estender a muitos produtos de consumo corrente.

Mais um sintoma do autismo que parece atacar, a partir de uma certa altura, todos os Governos deste país o qual, no caso do presente, parece ter começado mais cedo. Haverá alguma relação com o estado de completa narcolepsia em que se encontra o PS?

EU NÃO ARQUITECTO, TU ARQUITECTO

Voltando à Arquitectura.

Se um dos modos de definir (superficialmente) a Arquitectura passa pela constatação da sua (chamemos-lhe assim) "extroversão" ou "introversão", gostaria de chamar a atenção para uma vertente menos visível ao espectador (ao que apenas vê, ao que dela retém apenas os sinais) mas muito sentida pelo seu utente: a da sua praticabilidade.

Entendo por praticabilidade não só a sua funcionalidade ou o modo como resolve as exigências dos seus utilizadores; incluo a sua capacidade de resistência ao uso, às agressões intrínsecas e extrínsecas. E incluo igualmente o modo como o arquitecto soube descer do pedestal da "grande concepção" (a imagem que fica: os alçados, os volumes, as plumas e as lantejoulas) para resolver a miríade de pormenores que, domage!, têm sempre de ser resolvidos. Pormenores tão comezinhos como a exequibilidade das soluções; a coordenação dos elementos das várias especialidades num todo coerente entre si e com a arquitectura; a durabilidade das opções; a ligação dos elementos; e tanta mais coisa que, para além da prática, só a inteligência ajuda a não olvidar.

Dei por mim a pensar nisto quando passei há umas horas pelo Estádio Taveira XXI e, parado num semáforo, descobri mais umas quantas coisas mal-cosidas - panos de alvenaria descontinuados, estruturas à vista esteticamente coxas, ajulejos a descolar e com sinais de velhice (estes últimos, na versão do autor, da exclusiva responsabilidade do empreiteiro).

Dei por mim a pensar nisto e, por associação de ideias cheguei ao nosso Oscar, não! ao nosso Nobel, não! ao nosso Pritzker: apesar de todos os deslumbramentos que algumas das vistas de algumas das suas obras me causam, não lhe perdoo as traseiras do Grandela, o falhanço do Chiado, os pormenores marados da Igreja de Marco de Canavezes e, principalmente, a cloaca que nos fez no meio do Largo do Chiado.

LÉXICO POLÍTICO-PARTIDÁRIO (IX)

LIBERALIZAÇÃO - Fixação dos preços por cartel

janeiro 01, 2004

FEW BUT AWFULLY GOOD

A todos os que se incomodam em passar por aqui, o meu agradecimento:

- A Alex e à Maria, pelas críticas, pelos cumprimentos, pelo apoio, silencioso ou vibrante que desde sempre demonstraram;

- Aos que deixam um comentário, aos que gostavam mas não sentem uma vontade por aí além por isso não escrevem e à vasta maioria de leitores silenciosos;

- À Ana e à Cristina, muito Indiscretas, pelo que escrevem, pelo que respondem, pelo que são (extensivo aos seus co-blogadores, especialmente à Zazie Bacon);

- Ao Blog de Esquerda e ao Ideiafix pelas simpáticas palavras encomiásticas que dedicaram ao meu doutor Tulp e, por extensão, ao resto do blog;

- Ao Viva Espanha, por ter tropeçado nos mercados de Angola;

- Aos que, on any given day, me linkaram na sua página;

- À Marta, pelas fotografias que faz e pelas visitas;

- Ao Pedro, pela polémica e os piscares de olho, pelo lúcido olhar teórico sobre a arte de projectar (e não só - acrescento antes que venha de lá o protesto);

- Aos blogs que leio (e cujos links estão à direita e ainda todos os outros que visito e que lá ainda não estão por me ter faltado a disposição para brincar com o template);

- Ao silêncio dos papas e de alguns vizinhos aos meus mails - a fama ocupa demasiado tempo para as respostas, deixem estar, eu compreendo.

Like I said - few but awfully good.

OBRIGADO, DO CORAÇÃO

... a todas as estações televisivas portuguesas pela MERDA que fizeram na passagem do ano. Nenhuma apresentou um relógio para os crentes destas coisas poderem fazer uma contagem decrescente de acordo com a hora oficial dando-se ainda a TVI ao requinte de "meter" um bloco publicitário aos anunciados 10 segundos para a meia-noite. Brilhante.

Convenhamos que não é todos os dias que uma pessoa faz figura de parvo com as passas numa mão, a garrafa de champagne na outra, o pé esquerdo no ar e a perna direita em tremores instáveis, à espera de um ano novo que nunca mais chega, para depois constatar, pelo fogo de artifício que estala no ecran, que o momento já passou e a única emoção que resta é engolir as passas todas de uma vez, tirar a rolha e destribuir o líquido pelas taças dos presentes, olhar para baixo e perguntar-se porque diabo é que ainda está ao pé-coxinho.

Para o ano ou vou para um país civilizado ou ligo para a BBC.