janeiro 14, 2004

A REABILITAÇÃO URBANA E LISBOA (III)

Ainda que o tenha feito de uma forma incipiente, com uma falta de preparação teórico-prática específica dos intervenientes só compensada pela extrema boa-vontade dos mesmos, cabe ao PSD (mais propriamente ao Arq. Vítor Reis) a medalha pela introdução de um movimento oficial de reabilitação dos bairros históricos na Câmara de Lisboa. Glória escassa, já que a vitória da coligação PS-PCP no final de 1989 viria a apagar oficialmente o trabalho entretanto produzido. Com efeito, em todos os documentos produzidos a partir daí é notório o apagão histórico: não existem referências ao passado, a Reabilitação Urbana inaugura-se em 1990 com a criação da DMRU.

Direcção Municipal criada à medida do seu primeiro Director - Filipe Lopes, arquitecto, soixante-huitard e velha raposa dos meandros políticos e municipais, essenciais para a afirmação do poder na novel direcção – com competências excessivas para uma entidade que necessitava de ser eficaz e rápida na intervenção (a degradação dos edifícios não espera pelas complicadas voltas dos processos no interior do município, o reduzido número de funcionários não é compatível com funções paralelas (vistorias para emissão de licença de utilização, por exemplo)), burocratizada por via do hábito e da crescente penalização das decisões contida na legislação, sem uma definida linha de rumo, consequência da ausência de discussão teórica no seu seio e do excessivo ruído provocado por meia dúzia de técnicos conotados com o director. Direcção Municipal que, apesar dos recursos de alguma forma consideráveis postos à sua disposição, nunca conseguiu apresentar obra feita na proporção dos mesmos – apesar das estatísticas oficiais (leiam-se os números da Autarquia) afirmarem o contrário.

Uma das opções mais discutíveis – os realojamentos de habitantes moradores em fogos interditados ou em edifícios com empreitadas (coercivas ou de iniciativa municipal) – foi responsável pelo gasto de percentagem significativa do orçamento, já que, a partir do momento em que o número de realojamentos ultrapassou o número de fogos municipais disponíveis, se passaram a conceder subsídios de realojamento (entre 60 e 120 contos a preços de 97, variando conforme o agregado familiar), com uma duração temporal que, por via dos atrasos no desenvolvimento de projectos e empreitadas ultrapassou os 3 anos (haverá casos em que esse horizonte temporal ultrapassa os 5 anos).

Outro posicionamento discutível foi o da primazia dada a licenciados em arquitectura na atribuição da chefia dos Gabinetes Locais, não tanto pelo seu nível de competência mas pelo olhar parcial que revelaram em relação ao tipo de intervenção a prosseguir na reabilitação dos edifícios: durante muito tempo, a preocupação do reabilitar (igualmente influenciada pelo enquadramento do programa RECRIA, claramente orientado para edifícios do tipo “gaioleiro”, com outras prioridades e nível de degradação) centrou-se no visível – coberturas, fachadas, interiores, redes de infraestruturas, eventualmente introdução de instalações sanitárias – esquecendo-se o fundamental – condições estruturais endógenas e exógenas. Reabilitaram-se edifícios conforme as urgências; espalharam-se “renovações” pontualmente, no meio de quarteirões degradados, sem o mínimo de coerência estrutural; chegou-se ao ponto de introduzir novos edifícios em estrutura porticada lado a lado com coevos e mastodônticos edifícios em estrutura de parede resistente, ignorando (quase criminosamente) o provável comportamento destrutivo que este provocará no primeiro na ocorrência de um sismo. Hoje em dia, é frequente verem-se edifícios com patologias várias notoriamente induzidas pelo debilitado estado estrutural, nos quais ainda se notam, ténues, as marcas de uma reabilitação efectuada há 5, 6, 7 anos.

Na ausência de uma definição clara dos limites – até que ponto é aceitável reabilitar, até que ponto se torna imprescindível preservar – as decisões ficaram nas mãos de uma opção casuística, fruto de uma opinião subjectiva de um técnico. Nesta errância se consumiu tempo, se consumiram recursos, se consumiu a paciência e a disponibilidade dos intervenientes, se desbaratou a fé das populações nos projectos. O que mudou nos dois últimos anos?

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