Tendo historiado o percurso da reabilitação urbana na capital e identificado alguns dos seus problemas e ineficácias, parece-me - oportuno, indispensável, obrigatório - apresentar algumas soluções. Melhor, deixar o meu contributo para que, pelo menos por aqui, se deixe de só se apontar defeitos sem indicar caminhos.
Caracteristicamente, os chamados "Bairros Históricos" (classificação discutível - onde acaba a História e começa o Presente?), estão implantados nas colinas da cidade, perto do rio, em zonas com ocupação urbana com, pelo menos, 500 anos (Alfama e Mouraria muito mais: ocupação romana no primeiro caso, cerca de 850 anos a segunda). Zonas eminentemente de ocupação popular, a sua arquitectura e qualidade de construção refletem a menoridade económica dos seus ocupantes, especialmente as urbanizações instaladas na e à volta da colina do Castelo e que, genericamente, se poderão designar como Alfama e Mouraria. É sobre estes dois polos que me aprofundarei.
Se os tipos construtivos de arquitectura civil utilizados na zona (com excepção dos palácios existentes) eram, à data do sismo de 1755, de fragilidade clara (demonstrada pela destruição generalizada que o mesmo implicou), a falta de mão-de-obra especializada, desviada para a reconstrução da Baixa e dos edifícios nobres, levou à edificação de edifícios com materiais heterogéneos, técnicas abastardadas e sistemas estruturais que só na aparência estariam preparados para um melhor comportamento face a novos abalos. E se o passar dos tempos e das gerações levou a um progressivo esquecimento dos desvastadores efeitos de 1755 com o consequente afrouxar do rigoroso esquema estrutural pombalino nos novos edifícios construídos por toda a cidade, em Alfama e na Mouraria se esse "esquecimento" existiu desde o início, mais se veio a agravar no tempo. O que vê quem passa hoje pelas suas ruas é um conjunto de edifícios com claras patologias construtivas e estruturais (são visíveis os desnivelamentos de cantarias, as fissuras de esforço). E o que não se vê é tanto ou mais preocupante: suportes de pavimentos com as entregas apodrecidas pelas infiltrações de água, peças estruturais internas corroídas pela humidade ou pelo caruncho, escadas desniveladas indicando assentamentos das suas fundações.
Como inverter o processo? Contra o que poderia parecer lógico - identificar o que deve ser salvo e trabalhar a partir dessa definição-, defendo que, principalmente por esta operação ser, pelo menos no início, uma iniciativa do Estado e da autarquia, se devem quantificar de uma forma o mais exacta possível os custos da intervenção. Um dos maiores óbices à prossecução dos planos de reabilitação nos diversos bairros foi a falta de verbas necessárias: normal, quando o discurso oficial utilizava valores de reconstrução por m2 de, no máximo 120 contos e os orçamentos de projectos indicavam 160/180 (em obra, com as surpresas encontradas, a tendência foi o aumento destes valores). Se a construção tabelada para habitação social da mesma época era de, por m2, 70 contos, vemos bem a escala a que se trabalha. Acrescem aos custos de construção os de consolidação do substrato. Não existe cartografia detalhada do subsolo das colinas de Lisboa. Se se pensar que, por exemplo em Alfama, existem dezenas de minas referenciadas em escritos do passado das quais se encontram visitáveis ou acessíveis apenas algumas, se se pensar que, não há muitos anos, se "encontrou" uma cratera com mais de seis metros de diâmetro sob uma das ruas (e parte de um edifício), ver-se-à que, construir ou reconstruir com eficácia em cima de uma base periclitante é tudo menos possível...
Resumindo: constatar todas as variáveis de intervenção e orçamentá-las o mais exactamente possível, de preferência com recurso a uma equipa onde tenham assento técnicos de projecto das várias especialidades, técnicos de empresas de construção, medidores/orçamentistas (e faz tanta falta uma especialidade em Portugal equivalente aos quantity surveyers ingleses!). Depois, com base nestes valores, virá a definição pelo poder, da quantia disponível, ou melhor, da quantia que o poder político se permite dispender. E só então, finalmente, com base nos relatórios de arquitectos, historiadores, historiadores da arte, sociólogos, se decidirá onde intervir.
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