janeiro 12, 2004

ANEDOTA ACTUALIZADA

Há muitos anos, quando a África do Sul era a tristeza de país que era, contava-se uma anedota - mórbida como os tempos - acerca de um caso de atropelamento levado a julgamento, acabando o peão, de raça negra, condenado por destruição de propriedade alheia (o carro) e por invasão de propriedade (o terreno para onde teria sido atirado pelo embate).

No Expresso desta semana, um artigo de opinião de António Marinho (na internet só disponível para subscritores) revela que, a serem verdadeiros os factos, a anedota foi actualizada e os pressupostos jurídicos sul-africanos se transferiram para este país: "UM CONDUTOR com 2,73 de alcoolemia atropelou dois peões, matando um deles e ferindo o outro com gravidade. Cinco anos depois, foi julgado e condenado em... 50 contos de multa e 1 mês de inibição de conduzir. Após o julgamento, que chegou a ser adiado cinco vezes por faltas do arguido, o tribunal absolveu-o dos crimes de homicídio por negligência e de ofensas à integridade física por negligência, bem como das contra-ordenações conexas com o acidente."

Vale a pena ler os pormenores. Os peões caminhavam do lado esquerdo da estrada - uma recta com boa visibilidade - e foram abalroados pelo lado direito do veículo (se a minha geometria está certa, isto implica um despiste quase total). Ignorando o grau de alcoolémia do condutor, a sentença diz que "(o condutor) não podia prever o aparecimento dos peões a caminhar do lado esquerdo da via" concluindo, "o arguido não violou qualquer norma estradal ou dever geral de cuidado que lhe eram impostos".

Gostaria de conhecer o nível social e económico do arguido e das vítimas, os movimentos bancários de todas as contas em bancos nacionais e estrangeiros dos envolvidos no processo, a lista de eventuais familiares e amigos comuns ao arguido e aos autores da sentença e o QI dos meretíssimos. Algures nesses dados se encontrará a explicação para tão iluminada sentença.

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