janeiro 05, 2004

CIDADES IMAGINADAS

Não cidades imaginárias: cidades imaginadas. Acompanha-me desde há uns tempos um livro delicioso (de aspecto, de conteúdo, de promessas) que encontrei num saldo para turistas distraídos (suponho que só um turista distraído ou com muito sentido de humor aceitaria guiar-se por um guia impossível). Chama-se "Paris Introuvable" (Éditions Abbeville, Paris, 1997), tradução do original inglês de Karen Elisabeth Gordon - "Paris Out of Hand" - e é, como faz supor o nome, uma colecção de locais imaginados da cidade de Paris.

Fascinei-me com o grafismo, com a capa dura, com o humor, com o sentido que carrega de uma coisa de um outro tempo, anterior à massificação das viagens e à desvalorização do livro como objecto de per si. Mas o que me faz escrever hoje são as tais promessas de que falava há pouco: e se? E se eu organizasse idêntico objecto sobre Lisboa? O que descreveria? Que lugares do coração ou da memória incluiria, que percursos de amantes, que materializações literárias, afectivas, teóricas?

Por certo uma pousada sobre a leitaria de Fernando Pessoa, com quartos esconsos de paredes rabiscadas com versos ou frases soltas, uma solitária casa-de-banho ao fundo do corredor, mesa única na sala de jantar/cozinha, e um cantar de canário a corrdenar as vistas sobre a ribeira de Alcântara ("o celebrizado rio da aldeia do poeta").

Por certo também uma linha de eléctrico sobre a qual eléctricos, inaugurados nos primeiros tempos da República, percorressem toda a cidade antiga, a todas as horas do dia, a todas as horas da noite. Eléctricos onde se poderia beber uma serena bica, comer um absorto pastel, com auscultadores onde se poderia seleccionar um poema relativo a cada espaço dos inúmeros existentes.

Uma rede de tascas que, em cada bairro apresentassem comida de autor, inspirada nos pratos tradicionais da cidade. Tascas, sem preceitos europeus, com toneis de vinho, copos de três, bancos corridos de madeira, ovos estrelados, iscas com elas, túbaros, jaquinzinhos, peixinhos da horta, bifes à cortador, punhetas de bacalhau, fava rica.

O teatro da ópera de D. José, meticulosamente restaurado, no seu fausto de ouro do Brasil, onde uma companhia activa levava à cena, em cada noite, espectáculos de ópera, teatro musicado e ballet.

E...

Sem comentários: