novembro 09, 2003

SHOOTING STARS

(Estou desde ontem à espera de uma aberta no blogspot brasileiro para albergar mais algumas fotografias, uma das quais serviria de suporte a este texto. Para não perder o embalo e a actualidade vai mesmo só o texto e a imagem será introduzida quando a Globo deixar).

PRELÚDIO
Voltar ao Grande Auditório da Gulbenkian ao fim de tantos anos foi um prazer, foi o relembrar de outras épocas, outros acompanhantes, solitários prazeres, entusiasmos partilhados (Bach por um Leonhardt ascético, Badura-Skoda em grande, as canções originais de Carmina Burana com a audiência a bater palmas a compasso, Lucinda Childs para uma sala com vinte pessoas no início e muito menos no fim...). Estar na Gulbenkian é pensar quão bom seria se o Estado tivesse aprendido com ela ou se o sr. Gulbenkian nos tivesse comprado o país todo ou, enfim, se o país todo tivesse em proporção o dinheiro que o sr. Gulbenkian tinha. Provavelmente ordenados chorudos pagam a competência e a dedicação equivalente, mas será só na abundância de dinheiro que se firma todo o trabalho magnífico que a Fundação desenvolveu desde o seu início? Não terá influência saber-se que as coisas são para se fazer, ao invés do Estado onde tudo é para se ir fazendo?

FALLING ANGELS

(a partir de fotografias @Fundação Gulbenkian)
No princípio, uma corrida. A competição, essa, só se inicia depois, com o começo da música e a oposição que se cria entre a sua sensorialidade e a racionalidade dos movimentos. Como se de um contraponto se fizesse a cerebralidade de cada gesto de cada bailarino face à "animalidade" dos ritmos que os tambores criavam.

Enquadramentos belíssimos. Luzes a sublinharem corpos ou partes de corpos. Sombras a sublinharem silêncios. Uma beleza indizível e o meu corpo a querer participar em oposição aos mesmos olhos que só queriam sorver em paz.

PRÉLUDE À L'APRÈS-MIDI D'UN FAUNE
Mais do que o todo, as pequenas partes desse todo. Os gestos egipcíos que me lembraram os filmes de animação checoslovacos. Novamente a luz, a construir, em cores e oposições ao negro. O bailarino que era bailarina, o fauno que busca fundir-se na luz e fundir a luz. O deslumbramento total.

LE SACRE DU PRINTEMPS
Existe uma dualidade clara entre os micro-tempos de cada sucessão de gestos de um bailarino, de um par de bailarinos e o macro-tempo de duração da peça: os primeiros são precisos, exuberantes, aliciantes, contagiantes; o segundo é tão heterogéneo no conteúdo que perde continuidade. Ver cada um dos quadros é um prazer; assistir ao todo torna-se incómodo. A música, feita (penso eu) para sublinhar uma narrativa, acentua ainda mais essa alienação do espectador. Sem a explicação narrativa, os climaxes tornam-se anti-climaxes, as pausas desalentos.

Um última interrogação: a parte inicial prévia à música de Stravinsky, acompanhada pelas Signatures Sonores de Robert Racine, serve para quê? A princípio entendi-a como a descrição do Inverno, quando tudo dorme sob a terra e o destino dormente é comum - assim se explicariam os movimentos de conjunto em oposição à individualidade que explode de seguida (com o início da Primavera vem o recomeço da vida). Mas, da leitura da coreógrafa no catálogo - "não existe história na minha Sagração" - fiquei perdido de razões. Ou, pensando melhor, talvez não.

Não me elucidas?

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