Deixei passar um tempo em relação à publicação da notícia do Público (generosamente fornecida à LUSA por um bem intencionado acessor de imprensa) para tentar não reagir a quente.
À primeira vista, parece uma boa iniciativa - tão boa que o próprio Vasco Franco não encontrou argumentos suficientemente fortes para a rebater (bom, seria difícil: o senhor vererador sempre se mostrou melhor a fazer do que a reflectir). Mas... Esta é a mesma Câmara que coloca cartazes gigantescos (ver três posts abaixo) a anunciar a sua vitória sobre o imobilismo privado; a mesma Câmara que, legitimamente, se arroga o direito de tomar posse administrativa de um edifício em mau estado de conservação e realizar as obras que ele há muito tempo merece e que a lei obriga. Esta, enfim, é a Câmara que zurziu os proprietários privados pela incúria e desatenção dada aos seus edifícios, ao ponto de os mesmos ruirem por falta de conservação.
Ora, que mensagem é esta? Mais uma vez, façam o que eu digo, não façam o que eu faço? Com que seriedade se obrigam proprietários a efectuar obras após esta declaração de incapacidade de as realizar? E como prestar contas públicas do dinheiro gasto a reabilitar edifícios de terceiros, dinheiro que não é empregue a reabilitar edifícios próprios? Que incoerência é esta de um organismo público que se prontifica a realizar obras responsabilidade de privados e se recusa a realizar as suas?
Por outro lado, este incentivo é tudo menos gratuito: aos "jovens" é-lhe pedido que paguem projectos, fiscalização, empreitada; que garantam o risco do investimento; que paguem os juros; que assegurem a manutenção... E que, o mais tardar aos 65 anos (com um bocado de sorte, ao mesmo tempo que se reformam), passem a pagar renda, ou procurem outra habitação (pode ser que, entretanto, este programa se estenda à 3ª idade - título do Público de 2030: "O eterno presidente da AML vai propor um programa de relançamento da habitação nas cidades-dormitório: "idosos" vão poder reabilitar prédios de habitação social devolutos")
Finalmente, há uma questão técnica com "alguma" relevância. Se os edifícios municipais habitados se encontram, na sua maioria, em muito mau estado de conservação, os desocupados estarão ainda em pior estado. Se considerarmos (ver posts sobre reabilitação) que, do ponto de vista estrutural, os mesmos apresentavam deficiências de base no que respeita à segurança sísmica (deficiências agravadas pelo mau estado de conservação), das duas uma: ou a recuperação levada a cabo pelos novos locatários ignora o problema e os mesmos correm o risco de verem o seu investimento de 30 anos literalmente ruir, ou não o ignora e estaremos, na melhor das hipóteses, a considerar obras de reabilitação no valor de, pelo menos, 200 contos por metro quadrado o que é, convenhamos, um bocadinho demais para algo que não pode ser vendido...
Gato por lebre.
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