fevereiro 09, 2004



"Estaremos a aproximarmo-nos ou a fugir elipticamente, nesta distância não mensurável que criámos?
Estranhamente não fiquei surpreendido. Não me preocupam os teus repentinos humores, a ânsia de me afastares ou procurares, os bruscos não-gestos que espasmodicamente libertas. Ignoros se os desculpo ou se já não têm importância. Terás ocupado o teu lugar prematuramente ao lado dos mitos inacessíveis com que me fui preenchendo nestes últimos anos? (...)

Ironizas ou desprezas, pedes desculpa ou prometes momentos. É inútil falar de muita coisa. É talvez arriscado, há tanto a perder, talvez algo a ganhar. Depois de tudo, tenho medo de mim. Sinto que me repito, sou vários círculos viciados. (...)

Valerá a pena mostrar-me mais frágil do que tu me desejas? Igualar-me na tua confusão de emoções, ser muitos outros e talvez só um? Não te posso pedir ajuda, não me podes ajudar, o problema está em mim, devo assumir a minha pessoa, o egoísmo, o egotismo, o desvirtuar dos sentidos e sentimentos. Procurar alcançar a perfeição de um verdadeiro Narciso. (...)

É tão difícl ser-se cínico."


P. A. Gonçalves de Castro, Cartas, Ed. Ilus, Lisboa, 1985

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