maio 12, 2004

SUBURBIA

Por ossos do ofício, descobri hoje uma estrada que sobe um dos morros da cintura de Lisboa e, com ela, a envolvente do cemitério de Carnide. Eu já conhecia o projecto (devo dizer que os projectos são, quase sempre, coisas belíssimas que a realidade desvirtua); o que ignorava é que esta última morada de seres humanos convive paredes meias com uma gigantesca sucata. Previdência do legislador que, no Plano Director Municipal, reservou esta área para refúgios de fim de vida, seja ela de carne e osso ou de metal? Se bem que o ar pós-bucólico do lugar, com acessos por antigas estradas de quintas, estreitas e desertas, seja propício a este desterro, parece-me um tudo nada excessiva a convivência - há que preservar uma certa dignidade na morte - e fazer lembrar aos que veem a promiscuidade material que o passar dos séculos trará concerteza às suas futuras ossadas, enfim... é desleal.
Bom, mas Carnide não é subúrbio, é antes refúgio interno e eu comecei a escrever sob o lema do subúrbio e é por aí que irei.
Subúrbio é a amálgama de construções que tomaram conta dos montes e vales de Odivelas e cercanias - como formigas, como exércitos descontrolados de formigas canibais -, e que se avistavam em cada curva da tal estrada, sob o manto, não diáfano e nada fantasioso da bruma vespertina, mistura de gases de escape e vapor de água, que esta temperatura normalmente produz.
Um pavor em contínua expansão. Um pavor visual, claro, mas também um pavor económico: quem habitará tanta arquitectura assassinada? Diminuímos de população, diminuímos de rendimentos e, no entanto, tudo isto se move e cresce. Estarão os nossos iluminados patos bravos a contar com a subida rápida dos rendimentos da população emigrante ou que o russo Abramovitch e os seus sócios descubram o mercado imobiliário da Grande Lisboa como o próximo negócio onde investir?

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