Uma empada é como uma carta: desconhecemos à partida se ela nos traz boas ou más notícias, se o seu conteúdo nos tornará o dia mais suave ou para sempre marcará o lugar onde a provámos como palco de uma má recordação. Em Lisboa sempre se comeram empadas: exoticamente improváveis para outras gerações nos idos de quinhentos, superiormente galicistas nos tempos de Eça, as empadas do presente contêm recheios múltiplos que podem ir do fugidio camarão em cama de molho roux à carne picada quase seca, com vizinhança acebolada e uma suspeição de salsa.
Más empadas são as que se servem de carnes cozinhadas ante de ser picadas: dão sempre a sensação de ter passado por prévios palatos. Más empadas são também as que admitiram o frango na sua totalidade caindo-nos em sorte uma cartilagem atroz ou uma gordura mais renitente ao calor.
Mas o deleite de trincar uma massa folhada estaladiça ou uma massa de areia no equilíbrio precário entre a resistência ao toque da mão e o desfazer-se na boca! Quem nunca se deleitou a olhar o Tejo em simultâneo com o saborear de uma empada de camarão ainda quente não sabe ainda olhar o Tejo. Quem nunca parou na antiga Favorita da Rua do Ouro para matar a gula com uma empada de vitela não sabe viver a Baixa. Quem nunca perdeu o vagar num café da avenida de Roma ao ritmo de uma bica e de uma empada de galinha, perdeu um tempo e um estado de espírito da cidade.
Empadas há muitas. Mas só as da nossa eleição são nossas.
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