A côr de Lisboa, a côr de Lisboa... A côr de Lisboa entendida como a transmitida pela maioria dos seus edifícios antigos ou melhor, a côr predominante nos edifícios antigos de Lisboa, a côr padrão, a côr primitiva, a côr histórica - é uma falácia.
Se alguma conclusão se pôde tirar das amostras retiradas por sucessivos descasques dos edifícios da freguesia do Castelo num afã de, definitivamente, obter a norma para a reabilitação, é a de que a côr de Lisboa... eram todas (todas as possíveis de ser reproduzidas nas tintas do passado, note-se), caindo por terra a anunciada (desejada?) supremacia dos rosas ou dos azuis celestes, dos cremes, dos brancos sobre as restantes cores que, durante os tempos foram sendo anunciadas por este ou aquele "especialista", por este ou aquele "iluminado". (Nunca me esqueci da esfrega que levei do arq. Troufa Real quando lhe perguntei, numa aula, se ele não achava que Lisboa era uma cidade branca: que não, que nunca, que ignorância - Lisboa sempre foi colorida! -Eram ainda o tempo da sua partnership com, TTaveira para o concurso do Martim Moniz (e aí interessava que Lisboa fosse rosa e azul)).
Acresce a esta multiplicidade de propostas que o passado nos legou a impossibilidade prática de, mesmo várias, as reproduzir validamente, sem aprofundados estudos de laboratório: toda a gente sabe que a luz come a côr - o problema é de que maneira a côr se desvanece e quantos anos depois querer-se-à ver chegar a côr "ideal". Muitas perguntas para uma regra que se queria definitiva: pinte-se desta ou daquela referência na Mouraria, daquela e doutra no Chiado, daqueloutra na Madragoa!
Desistiu, envergonhada a Câmara de ser sabichona!
E é por isso que, para mim, a côr da cidade continuará a ser uma só: aquela que sendo a ausência de todas se constitui como a sua súmula. Digam-me lá: quando passam a ponte sobre o Tejo (qualquer delas) e olham a cidade - não importa a hora do dia, a estação do ano - não vos aparece sempre ela, gloriosa, esplendorosa, radiosamente alva, uma verosímil VILLE BLANCHE?
2 comentários:
Ocorrem-me várias interrogações: 1-Será viável uma cidade com esta dimensão ser branca, literalmente (tal como será inviável andarmos vestidos de branco sem se notar demasiado a sujidade). 2-As cores tão diversas terão a ver com a 'anarquia' que os visitantes estrangeiros costumam referir em Lisboa (se as deixarem, as pessoas pintam as casas das cores mais incríveis, e estou a lembrar-me de Burano, em Veneza, e de outros contextos 'populares' em Portugal). 3- (corolário do anterior) As tais cores, que nunca se saberá quais eram ao certo, seriam provavelmente mais vivas, dado o tal efeito de 'clareamento', o que faria de Lisboa uma espécie de Burano em ponto grande. 4-Os prédios de Campo de Ourique, p. ex., já usariam a tal paleta quando foram feitos. 5-As cores de há uns séculos atrás estavam limitadas pela gama de cores disponível, que era muito menor que a de agora. 6-Perante tudo isto, não a vale a pena impor qualquer paleta de cores.
Em resposta ou add-on aos teus comentários:
1. O branco que refiro prende-se mais co o estado de espírito de quem vê ou talvez mais, com a irisão da côr que a intensa luz solar provoca. A ser rigoroso, a cidade deveria ser amarela torrada, como a de Lisboa.
(O que é outro estado de espírito: a mim o excesso solar torna tudo branco - vi um filme quando era pequeno com o Alain Delon que termina com ele numa espécie de cegueira em que vê tudo branco, talvez seja por aí; para os pintores, a luz de Lisboa sobrepõe o amarelo a tudo)
2 - Claro que não havia ,imites à pintura no passado - as mariquices com a preservação do passado começaram no século XX.
3 - Ainda que menos que agora, as opções possíveis - e utilizadas como se verificou - eram suficientes para impedir uma tentativa de uniformização no presente - como tu também dizes.
4 - Apesar de as ter sentido como um atentado, as cores da 7ª colina perderam, com o tempo e a luz, a sua dimensão polémica e vivem serenas no coração da cidade
(PCG)
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