março 02, 2004

Já o escrevi antes, gosto de locais que, pela sua homogeneidade, induzem no observador a percepção da época em que foram construídos.

Em Lisboa, terra de misturas cronológicas no que à arquitectura diz respeito e, principalmente, campo de iniciativas pato-bravistas sem grande consideração pela veracidade arquitectónica, torna-se difícil dar de caras com estes tempos cristalizados. Acresce que estes oásis se vão perdendo, tal a caça que lhes dão senhorios descapitalizados e promotores desinspirados. Por isso, cada descoberta é um regozijo, cada encontro motivo de festa.

O polígono compreendido entre a avenida da liberdade, ruas braancamp e do salitre, é uma dessa cápsulas de tempo em vias de extinção. Poucos exemplares restam de uma arquitectura pensada para a classe média alta das últimas décadas do século XIX, onde o dinheiro, as famílias numerosas e a necessária criadagem exigiam generosas áreas. Não é que no presente estas tenham deixado de ser necessárias - apenas os ignotos deuses que decidem as modas decidiram que podiam ser ignaradas.

Se esta terra fosse um País mais inteligente, estes prédios teriam sido aproveitados para habitação de luxo (sim, infelizmente hoje em dia muita área equivale a muito luxo) - dinheiro não falta. Mas é mais fácil não pensar, é mais fácil não ousar e paulatinamente vêm caindo estes mastodontes, para substituição por ignotos espaços de escritórios, cópias de cópias de cópias das primeiras versões do anos 70.




Namorei este edifício numa madrugada de espera. Que dôr de alma esta degradação das trabalhadas ferragens das varandas, o lento afundar da cobertura, os vidros partidos das janelas, o abandono negro que espreita por detrás, as correntes na porta que anunciam o destino.



Bandeiras do PSD desmaiam na varanda do 1º andar. Nem a frequência da política, nem o poder foram capazes de suspender o fim. Alegoria demasiada óbvia para o que se passa nesta cidade e vontade política dos que regem os seus destinos.

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