dezembro 07, 2003

LUANDA

Oficialmente o número é de 4 milhões mas 4 milhões parecem poucos para ocupar as tantas precárias construções que, aleatoriamente agregadas constituem os muitos hectares de musseques que cercam Luanda.

“Cada casal tem, em média 5 a 6 filhos, cada barraca tem 3 famílias, quantos milhões acham que habitam os musseques? 4 milhões é uma estimativa muito por baixo e muito desactualizada”. Quem o diz não conhece estatísticas nem corredores do poder. Vive apenas há muitos anos nesta cidade e o desalento de quem já não acredita em nada é notório nas sua palavras. As ilusões passaram, após tanta guerra. 10 anos sem socialismo oficial, quase 2 sem guerra e nada mudou.

Para mim, Luanda é uma cidade morta que ainda tem a ilusão de viver. Não há gestão urbanística possível quando nove décimos da área habitada (não é passível de lhe chamar “urbanizada”) é um conjunto de gigantescos campos de refugiados feitos de lata e desperdícios. Não há gestão social possível quando os habitantes desse mundo não têm qualificação para mais alguma coisa do que trabalho manual não especializado; quando, por causa dos inúmeros estrangeiros que aqui passam temporadas a serviço, o custo de vida é superior ao de Lisboa e o ordenado médio local muito inferior.


Faz-me impressão ver um AUDI A8 ou um BMW série 7 com matrícula oficial à porta de um ministério com um mendigo a dormir ao lado, no chão. Faz-me impressão as dezenas de vendedores ambulantes a passearem por entre os carros a vender não importa o quê. Faz-me impressão, porque a maior parte deles tem idade para estar na escola durante ainda muitos anos. Faz-me impressão o ar de fim de festa desta cidade: como se todos lhe sintam o fim e esbracejem continuamente para afastar a visão.

Não é só a mim. Na base do monumento a Agostinho Neto, algum mal-intencionado escreveu “abaixo a fome!”.