setembro 11, 2004

A REABILITAÇÃO URBANA E LISBOA (VI) - ESCAVAÇÕES

Pelo menos nas zonas dos chamados "Bairros Históricos" da cidade de Lisboa, existe uma obrigatoriedade legal de, nas obras que envolvam escavações, se comunicar o facto ao Museu da Cidade, que disponibilizará um técnico para as supervisionar, com o direito de suspender as mesmas durante o tempo que entender necessário para a análise e investigação do subsolo e de eventuais vestígios arqueológicos que possam aparecer.
É uma obrigatoriedade louvável. Em primeiro lugar porque permite garantir a recolha científica de elementos que poderão contribuir para um melhor conhecimento da história da cidade. Em segundo lugar porque poupa à autarquia as verbas consideráveis que seriam necessárias para a realização de campanhas que visassem a obtenção de resultados semelhantes.
Existe só um pequeníssimo senão.
Eu quero acreditar que a intenção do legislador fosse apenas a de aproveitar a boleia de trabalhos que seriam efectuados de qualquer maneira (a escavação), oferecendo graciosamente os préstimos de técnicos habilitados para acompanhamento das operações. Que dela estivesse afastado qualquer espírito proxeneta de lucrar com o trabalho dos outros. No entanto - e como em tantas leis deste país... - no espírito prático da lei esbarra esse quase irrelevante pormenor que se chama realidade. Que as empreitadas custam dinheiro até os funcionários públicos sabem - o Estado também as paga. O que, aparentemente, os funcionários públicos parecem desconhecer são os custos associados aos atrasos é às paragens das obras: os que se pagam ao empreiteiro por imobilização do estaleiro e, mais importantes e muito maiores, os de imobilização dos capitais, os dos juros dos empréstimos bancários que sustentam na esmagadora maioria das vezes a operação imobiliária, os lucros adiados pelo adiamento da venda do produto final, os lucros cessantes pela perca de oportunidades de negócio. É que as paragens não são de dias - são de semanas, podendo ser de meses se o achado se perspectivar como relevante. E nem valeria a pena mencionar, por irrelevante neste contexto, o material e a mão-de-obra de apoio que a instituição requer ao dono da obra... Logo, o que é previsível que aconteça na maioria dos casos é o inverso que se pretende, com a realização "clandestina" das escavações e a rápida destruição de achados, antes que a palavra chegue à instituição. Não se pense que isto é ficção ou especulação sobre uma possibilidade da lei. Conheci vários casos, tanto de paragens prolongadas de obras quanto de trabalhos realizados "por duendes".
Quando a obra é pública, os custos financeiros da paragem, face aos restantes, não serão de muita monta e, como disse, os restantes não existem (ou pelo menos não se contabilizam), correndo, quase sempre, as coisas de acordo com o legislado. Excepto quando a obra é anunciadamente propagandística e cada dia de atraso conta - e muito -nos índices de popularidade. Como por exemplo na obra de reconstrução dos Paços do Concelho e do parque de estacionamento adjacente que o mayor João Soares se comprometeu a realizar num ano. Esquecendo o pormenor da inversão no tempo que as datas de assinatura do contrato e de início da obra tiveram, quantas pessoas souberam dos fantasmas arquelógicos que por ali andaram?
Richard Wagner escreveu uma ópera que, se não me engano, em português se chama "O Navio Fantasma", não é?

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