setembro 18, 2004

JE RENTRE À LA MAISON

Presumo que a todos é difícil esquecer as impressões de uma primeira experiência. A mim, custou-me a apagar a propositada teatralidade do "Amor de Perdição", o tom artificioso das falas, a contradição aparente que é tratar uma câmara - que é dinâmica por natureza - de um modo tão estático. Os - pouquíssimos! - filmes que depois vi do Manuel de Oliveira pareceram confirmar essa impressão primeira de actores sorumbáticos, de falas terrivelmente artificiais. A reacção alérgica que em mim - espectador habituado a ver o cinema como um fim (contador de uma história, de uma experiência, de uma visão do mundo) e não como um meio (transmissor de um texto)- estas continuavam a causar, obliterava qualquer tentativa de deixar a obra falar comigo.
Em boa-hora o Público fez acompanhar a sua edição de Sábado passado de 3 DVDs do realizar a um preço simpático para pelintras recentes (a crise, a crise...!) como eu.
Vi o "Je Rentre à la Maison" há dois dias e ainda me mantenho no meu estado levitário, impressionadíssimo com as reacções que me causou: de admiração, de identificação, de emoção pela profundidade do olhar, de comoção pela percepção do estado de absoluto esgotamento a que o personagem chega.
Aqui as palavras começam a faltar. Talvez tudo tenha uma hora para acontecer e tudo tenho um tempo próprio para ser vivido, disfrutado, percebido. Talvez não tivesse ainda vivido o suficiente, sofrido o suficiente, sentido o suficiente para perceber esta obra antes. Talvez sim ou talvez não, talvez tudo ou talvez nada.
Talvez fosse a enormíssima intepretação do Michel Piccoli a desanuviar a minha retracção perante actores declamatórios e a disfrutar o filme sem preconceitos.
E se não bastasse o maravilhar-me que o filme me fez, ainda, como extra, as palavras complementares de Manuel de Oliveira que vêm como extra complementaram o meu estado... desalinhado. A extrapolação personagem-sociedade actual / cansaço-desorientação que faz, é uma lição.

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