abril 24, 2004

CADERNO DE VIAGEM: BRASIL, ILHA DE STA CATARINA (II)

DIA 2

Chuva, chuva, neura. Todas as praias do Sul ilha visitáveis por carro vistas por entre os vidros. Estradas de asfalto que se prolongam oficialmente por caminhos de terra batida, com direito a toponímia e paragens de autocarro (“pontos de ônibus em tradução local).

Na praia do pântano do Sul, um cenário surrealista: o areal plano, molhado da preia-mar a fazer de estrada e parque de estacionamento, os restaurantes com entrada pela praia a servir almoços de Páscoa, gaivotas e urubus, passeando em terra. Gaivotas em terra, tempestade no mar, menos mal, mas urubus?


O urubu é o correspondente brasileiro ao abutre. Vive no lixo. Vive do lixo. (Marcou-me para sempre o cais ao lado do Mercado de Ver-o-Peso em Belém: uma lixeira infecta na maré baixa, um cheiro nauseabundo, dezenas de urubus a catar alimento). Que fariam tranquilos, quais veraneantes, nesta praia?

Almoço

No Ostradamus, um dos restaurantes mais referenciados da ilha. Costa oeste, virada ao continente, com cais (“trapiche”, por aqui) próprio, situado em Ribeirão da Ilha, mais uma vila repleta de testemunhos açorianos.

A casa, renomada pelas suas ostras, tem um menu pantagruélico. Aponto as inúmeras variedades de preparação dos moluscos pelo pitoresco (gosto da palavra desde que a vi inscrita numa análise a um projecto de alterações de um edifício de Alfama), ainda que, para mim, ostras só ao natural: in natura, ao bafo (cozidas no vapor), gratinadas com molho bechamel, gratinadas defumadas, ao alho e óleo, das antigas (gratinadas com tomate, cebola, salsa e queijo parmesão), à milanesa (panadas), ao vinagrete, à Porto Solis (com martini e limão), ao catupiré e mozzarela.

De arrepiar para um português habituado ao bom gosto das coisas simples (neste caso dos grelhados) são os tratamentos prestados ao linguado grelhado: ao molho de camarão, com camarão grelhado e champignons, envolvido com nata e enriquecido com caldo de camarão, do Salum (com tomate seco). Já a garoupa vê-se envolvida num “Alguidar – O prato dos deuses”. Ela e pimentões, cebola, tomate, alfavaca, leite de coco, azeite de dendê, marisco, lula, camarão e ostras. Ou naturalizada Espanhola, deixa-se preparar mais perto de uma caldeirada com cebola, tomate, salva, cebolinho, manjericão, alfavaca, lulas, marisco, berbigão, camarão e ostras.


Enfeitiçado pelo marisco pedi, para complementar as ostras um “Berbigão do Ribeirão (se qués qués)”. Veio furado o pedido. Da minha experiência, o berbigão – como a maior parte dos bivalves – no Brasil é servido sem casca (anteriormente pensava que era só em Pernambuco, enganei-me). Este berbigão vinha aos montes, num refogado cujo sabor se tornou enjoativo em pouco tempo – nota menor.

As doses e os preços variam na proporção inversa às características portuguesas. Normalmente os pratos são considerados “para dois” e eu diria que, quase sempre, dão para três. Já os preços são para um. As ostras a 900$ (pois, o Fernando Pessoa também continuou a escrever à antiga, mesmo depois da reforma ortográfica) a dúzia, o linguado entre 3 e 3,5 contos, a garoupa a 4 contos, o berbigão a menos de dois contos. Não é por pessoa – é por dose – e este é considerado um restaurante caro. É de acrescentar que estava à disposição dos comensais um serviço de buffet para os acompanhamentos: arroz, batatas fritas, verduras múltiplas, farofa, pirão, feijão...


O resto do percurso até ao Sul da ilha é uma sucessão de enseadas tranquilas, casas de férias, mata atlântica a descer até ao mar em encostas pronunciadas, asfalto, empedrado, asfalto, terra batida. Chuvia, fazia sol, chuvia, foi o domingo de Páscoa mais estranho que metereologicamente vivi.

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