junho 21, 2004

AARGHQUITECTURA SIM!

Há uns anos atrás, pedi o obséquio a interposta pessoa de perguntar ao seu amigo e colega Siza se a merda que fazia em Lisboa era sem querer ou mais uma farpa na guerra Norte-Sul inventada por Pinto da Costa. A interposta pessoa ficou incomodada, disfarçou e, para além de me provavelmente me ter mandado igualmente à dita, remeteu a pergunta para o esquecimento das coisas inconvenientes.
Veio a pála, passaram os anos e, apesar da irritação que se renova de cada vez que passo pelo largo do poeta e olho a cloaca, a minha oposição foi-se transformando em duvidosa má-vontade. As coisas foram acalmando.
Até que os pilares e lajes que paulatinamente estavam a ser construídos entre as ruas do Alecrim e António Maria Cardoso se transformaram em edifícios e a antiga azia voltou.
Tenho passeado à volta daquilo. As fotografias não têm ficado boas e, mais por isso do que por outra coisa, tenho passado por cima. Mas - em qualquer pano lá cai a nódoa - não quis o Lourenço deixar de contrapôr logo este exemplo à má experiência do seu post anterior.
Que diabo, Lourenço! Se o que acontece aqui é precisamente o mesmo medo de falar diferente! Porque é que a linguagem tem de ser linear como parece ser a dos prédios pombalinos e seus seguidores temporais? E, sendo linear, porquê esta filosofia de azulejo, esta monotonia de fachadas e vãos, este monolitismo tonal que, conjugado com a pouca largura das ruas, chega a ser sufocante?
Não há côr. E dir-me-às: pois se a envolvente também peca por falta dela... E? Falei há dias da exuberância exibicionista da intervenção de Troufa Real no âmbito da Sétima Colina. São visões de arquitectura totalmente opostas, eu sei. Mas, apesar da patine entretanto criada, a intervenção, na sua diferença primária, acabou por realçar o que os edifícios tinham de particular, enquanto a obra de Siza, ao monolitizar a sua intervenção, acaba por dissolver o que cada edifício circundante tem de particular nessa pseudo-igualdade austera e aborrecida.
São filosofias de vida, eu sei, prováveis credos na igualdade de todos. Mas não faria mais sentido, sendo as ruas estreitas e as fachadas existentes construídas quase num único plano, aproveitar a inércia da memória do vazio para criar uma variação de volumes e planos, perpetuando-a e marcando em simultâneo a nova idade da intervenção?
É óbvio que a depurada arquitectura de Siza cai bem nos espíritos preocupados com uma pretensa "descaracterização" das zonas históricas - leia-se técnicos camarários e ippars. Mas é a melhor solução para aquela encosta e para aquelas ruas?
Como no Chiado e no Metro - em que Siza assaca os falhanços às opções dos clientes -, aqui parece mais uma solução de compromisso,conjunta entre as suas ideias e as pressões possíveis ou reais, teóricas ou inventadas de clientes e autoridades licenciadoras. Uma espécie de loteamento taylor made à medida da ignorância de quem paga ou autoriza. É sobranceiro e quem paga é Lisboa. (Se o homem é Pritzker, pois que diabo!, que tenha cojones e imponha a sua visão. Se a sua visão é mesmo aquela... volto à pergunta do início).
Aquilo impõe-se Lourenço (e qual é o medo da imposição? Não é qualquer obra arquitectónica uma imposição ao vazio, ao existente? Arquitectura camaleónica?) Impõe-se é pelas razões erradas. Não é calmo nem sereno. Nem contido - rebenta pelas costuras, estica-se até ao limite do lote. Aquelas escadas intermédias são aflitivas, aflitas, sufocadas nas paredes altas dos rasgos nas fachadas. "Continuidade ao ritmo da rua..." Ora bolas Lourenço, era mais fácil ir aos arquivos municipais e copiar a traça de um pombalino original! É como se, contratado um solista de um novo instrumento para uma orquestra, o maestro o pusesse a tocar as mesmas notas de um outro existente - continuava o ritmo existente mas qual era o ganho?
Por muito que gostes do trabalho do homem, defender aquele é contradizeres-te, Lourenço. É dizeres que a frase que tanto contestaste - O Instituto Português do Património Arquitectónico impôs a manutenção da fachada do prédio e que a construção obedecesse à traça original pode ser aplicável desde que com qualidade - porque o que se vê na rua do Alecrim é uma fachada "mantida" e uma traça original macaqueada. É dizeres que a bondade de uma teoria depende da qualidade da sua prática.
Eu não concordo com isso.

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