janeiro 17, 2005

CADERNOS DE VIAGEM - PARIS (VI)

Traiteur
Se tem por hábito a França cultural premiar com a Legião de Honra todos aqueles que, nacionais ou estrangeiros, atinjam um ponto de excelência que lhes permita o reconhecimento público qualquer que seja o meio onde actuem, então, para mim, a grã-cruz dessa legião imensa deveria há muito estar atribuída a essa reverenda classe tão impossível de encontrar fora das suas fronteiras que dá pelo substantivo/adjectivo nome de "traiteur".



O que são os traiteurs? Artistas. Escultores da matéria mais diversa e mais primariamente chegada ao Homem que a natureza criou - o alimento. Devotos tratadores dos nossos mais preciosos sentidos: a vista, o olfacto, o gosto.

Passar por uma montra de um traiteur é ter acesso a uma nova sala do mais indispensável museu; é ganhar, por momentos, o acesso ao âmago da existência; é, no limite, poder descobrir, como mortal, os secretos sabores da olímpica ambrósia que os longínquos séculos mortos guardaram somente na memória colectiva.

Das mais anónimas às mais famosas, todas as montras brilham na competência dos seus autores. A Fauchon será, talvez, a mais mediática. Tão mediática que resolveu radicalizar-se e mudar toda a essência do seu interior. De um revivalista ar fin-de-siecle (XIX) minimalizou-se, tornou-se zen.

Das lascivas peças expostas no passado resta a gulosa memória. Com tanta normalização europeia, o contágio parece ter chegado - é bom ser-se clean, menos colesteroico, mais saudável. Obviamente, os olhos continuam a comer, mantêm-se as cores, os sabores sugeridos, a riqueza dos elementos. Mas algo quebrou. A Fauchon da minha memória passou apenas a perdurar na minha memória. Esta, a que no presente se exibe, poderia ter surgido na 5ª Avenida ou no centro de Tóquio (sim, não faço a mínima ideia como se chama a avenida mais fashionable de Tóquio) - a origem é secundária, o efeito não tem pátria.
É mais uma vítima da globalização.

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