janeiro 14, 2005

CADERNOS DE VIAGEM - PARIS (IV)

Talvez a tragédia maior do modernismo seja a do completo desfazamento entre a grandiosidade dos objectivos a que se propunha e os pífios resultados a que chegou. Por via da razão, procurou-se atingir a democratização da habitação: a optimização dos espaços, a eliminação do, aparentemente, supérfluo, a introdução da modulação conduziriam, não só ao aperfeiçoamento das "unidades da habitação" (e consequente criação do homem novo) como à redução de custos que tornaria acessível a toda a população uma habitação condigna.
Nobre propósitos, vãs tentativas.
Cavalo de Troia de um novo patamar para os promotores imobiliários de subúrbio, o modernismo agoniza no presente nos milhares e milhares de edifícios que constroiem o sky-line cinzento e monótono de todas as zonas habitacionais das cidades europeias.
Admito que a linguagem rebuscada e plena de redundâncias a que a arquitectura "romântica" tinha chegado necessitasse de uma revolução. Não ponho em causa a benignidade das intenções modernistas, a sua coerência, a qualidade dos projectos iniciais.
Limito-me a olhar as consequências.

A avenida Daumesnil é uma lombriga enorme, afastada da tradição da rive gauche, da opulência Hausmanniana e da fulgurância fugaz de La Defense. Limita-se a ser uma longa artéria construída ao longo dos anos, absorvendo os estilos da época, as alternâncias, os modelos. Nada de muito grandioso, nada de muito espectacular, nada de muito memorável. Não me foi, no entanto, indiferente este contraste entre o velho e o muito velho, entre o que ainda é da minha geração e o que, por ser de pelo menos, duas gerações atrás, se torna simpatico aos meus olhos, quase apetecível:


A primeira fotografia retrata um trecho de um quarteirão que se impõe pela monotonia das linhas. Acredito que, à data da estreia do Playtime fosse apelativo aos seus moradores -era novo, cheirava a novo, implicava o novo. Mas hoje... que extraordinário bocejo, que adormecimento para quem olha, que "socialização" do espaço, que bandeira deslavada apelando à uniformidade!


Mais à frente, este edifício parece renascer de um passado que, eventualmente lhe terá sido padrasto: seria esta, aos olhos dos seus contemporâneos, arquitectura revivalista (no sentido de ser feita para reviver na periferia o brilho dos grandes boulevards) ou arquitectura menor? Hoje, o baço da patine aparece brilhante, a heterogeneidade da fachada aparece estimulante, todo o edifício se constitui como um objecto renovado que apetece de novo disfrutar. Que melhor destino para um prédio?

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