janeiro 31, 2005

DÚVIDA AINDA MAIOR

O que é que uma cataplana faz que um wok tapado não faça?



INDECISÕES

1. Portas faz passar a imagem de competência mas não consegue apagar nem o seu passado "Independente" nem as suas convicções ultra-conservadoras.
2. Santana Lopes faz passar a sua imagem de político combativo mas não consegue apagar o seu passado de completa incompetência e impreparação para o cargo de primeiro-ministro nem a sua inconstância.
3. Sócrates faz passar a sua imagem de competência mas não consegue apagar o seu passado de membro do governo Guterres nem o lastro de guterristas que transporta.
4. O BE (sejamos colectivos) faz passar a sua imagem de seriedade mas não consegue apagar do seu passado as posições conservadoras de extrema-esquerda nem a intolerância moral que lhe é tão intrínseca.
5. No PCP no pasa nada.
6. O MPT fez-se passar para o PSD a troco de 2 lugares de deputado.

E eu estou-me quase a passar.

HOW LOW CAN IT GET?

Estou, desde já, cientificamente curioso: serão os votos no PSD nas próximas eleições directamente proporcionais ao baixo nível ético da sua campanha ou inversamente proporcionais à histeria com que PSL é recebido pelas militantes em cada paragem do percurso?

janeiro 30, 2005

ARQUITECTURA

Leio algures que a arquitectura é "a arte de fechar o espaço".
Por mais cientificamente correcta que a observação possa ser, causa-me engulhos.
Misturar arte e clausura deixa-me desconfortável.
Prefiro definir arquitectura como a arte de recriar ad infinitum o ventre que acolheu os nossos primeiros momentos.

O SOL DA MINHA ALDEIA É MAIOR DO QUE...


As entradas de Lisboa são pavorosas.
Excepto quando se vem pelas pontes sobre o Tejo (chapeau para uma amiga que abomina "eufemismos de direita caduca" como estes).
Ontem, após um dia magnífico junto ao mar, uma despedida tonitroante com um Sol maior do que o habitual num poente a anunciar falsamente mais calor para o dia seguinte.

O CÉU SOBRE A COMPORTA



... ontem.

janeiro 27, 2005

CADERNO DE VIAGEM - PARIS (XI)

PONPON LACHAISE, LOCAL TURÍSTICO

Foi provavelmente o maior negócio urbanístico de todos os tempos. Comprar, por tuta e meia, um enorme terreno nos arredores de paris e depois vendê-lo em minúsculos lotes sem necessidades de grandes infra-estruturas, com uma velocíssima valorização do preço por metro quadrado não é para todos: é para quem tem ideias e as sabe pôr em prática.
O Pere Lachaise passou rapidamente de remoto local de enterramentos para glamorouso e podre de chic destino final de ricos, famosos e aspirantes a tal.

Já por inúmeras vezes declarei o meu fascínio por cemitérios. Não por especial morbidez, antes pelo que revelam da nossa complicada relação com ela e connosco próprios, com a insuportável distância entre a importância que nos damos e a que efectivamente temos no passar do tempo. Os cemitérios são os campos de batalha onde é mais encarniçada essa luta inglória contra o esquecimento que os grandes e poderosos travam no auge da vã glória do seu poder.

Depois de, há uns anos ter percorrido entusiasmado o cemitério de Montparnasse - e que me deu a conhecer inesperadamente uma das mais belas peças de Brancusi, um Beijo devotado colocado sobre uma campa russa já anónima



- tive agora o tempo para flanar pelo grande cemitério de Paris:


D'abord, a neve. Insuspeita de ter caído noutros pontos da cidade, aqui cobrindo os telhados num cartão postal alusivo à época do ano. Silêncio gelado, se esta imagem é perceptível para meridionais como nós. O gelo que estala seco sob os nossos pés. O zunido do frio nos ouvidos. Os quinhentos turistas calados que, de mapa na mão, peregrinam em busca da celebridade perdida.
Chamar-lhes-ia antes celebridades de celebridade perdida a quase todas.
Gente que, hoje, vale mais pela tumba que deixaram que pela vida que foram. Gente que se anulou com a morte para poder continuar a ser.
Deste jornalista, morto muito novo, nem sequer se pode reclamar o direito à preservação dos seus actos. Ironicamente, foram as circunstâncias da morte que o tornaram célebre - assassinado à queima-roupa por um irascível sobrinho-neto de Napoleão a quem tinha vindo pedir explicações políticas. Isso, e a fama de fertilizante que a sua estátua ganhou - veja-se o polido que as "partes baixas" apresentam, das incontáveis mãos que, ao longo de décadas, ao seu sortilégio recorreram para alcançar virtudes parideiras até aí ausentes.
Até o cendrário é uma construção cuidada. A minha filha impressionou-se com um desenho de criança preso a uma das "campas" mais recentes. "A maman de ses petits". Mamam morta nova demais, são assim as injustiças deste mundo.
"Aux armes citoyens!" parece o grito enérgico deste general sem medo que incita as massas à revolta perante a aproximação do inimigo que já ali vem. Eis uma prova de como a representação fotográfica da escultura falseia a sua tridimensionalidade e esconde muito do que nela se diz (e que poderia originar uma discussão interessante acerca da falsidade e subjectividade da representação de obras de arte, da redutora transmissão do que é uma obra arquitectónica e por aí fora - mas quem se interessaria por nela participar?)
Pois às armas, mas visto de longe, este general mais parece um quixote pateta e larilas, descendo atabalhoado um montículo de destroços. General de pacotilha, sem espada para lutar, alucinada imagem de um poder que não é. Se a arte tudo diz e se a arte não mente, quanto é verdadeiro da história oficial deste cavalheiro?
E, se para alguns, a sua história fica registada, outros há que, na modéstia da homenagem prestada, deixam mais curiosidade que explicações. Quem foi este Professor Amazit, em que guerras conquistou aquelas condecorações, que país exótico ("eternell Numidie/ C'est ici que j'ai passé/ Le meilleur de ma vie") o viu nascer e crescer? Que ligações do destino para um homem que perdeu o ano da sua morte?
De cidadão mais anónimos (pelo menos em termos internacionais) se faz também o presente:
Sinal dos tempos e da globalização, do triunfo de uma nova geração de emigrantes, da misceginação, ou apenas da minha imaginação. Ser enterrado no Pére Lachaise é, ainda, um sinal de ascensão social, a forma perfeita de se afirmar integrado. E aceite?

TRIPLO M

Comecei a ver futebol ainda puto, como a maior parte dos rapazes da minha geração (de todas as gerações?) e do meu país.
Como à maior parte dos rapazes da minha geração, a opção - para a vida - pelo clube do coração estava reduzida à escolha entre o Sporting e um outro clube da 2ª Circular cujo nome me está agora a falhar. Sendo a minha família praticamente toda sportinguista e não tendo eu ainda na altura a mania de ser do contra que ganhei com os anos diria, sem grande exagero, que estava geneticamente condicionado a sportinguista ser, ou seja, a ser maravilhosamente masoquista a maior parte da minha adolescência e começo da vida adulta.

Bom. Durante os quase 16 meses que já leva esta página recusei-me a nela alojar as alegrias e tristezas vividas semana a semana com os altos e baixos desportivos (e financeiros e sociais) do meu clube. Simplesmente porque, sendo todas as ligações a clubes paixões assolapadas, a temática não deixaria de transformar este planeta num local ainda mais incoerente (e provavelmente muito menos interessante a prazo) do que ele às vezes é.

Consegui até hoje. E hoje só abro a excepção porque há 18 anos que não ficava tão completamente louco e tão completamente rouco devido aos festejos de um golo como hoje fiquei com a obra-prima de um puto ainda em começo de carreira. Para os não iniciados é, com toda a certeza, um estado incompreensível o que vou descrever, para os que também já o vivenciaram, é partilhável: gritei, pulei, ajoelhei-me, saltei, gritei golo-golo-golo-golo, abracei-me à minha filha, pulei, ergui os braços ao alto gritei gooooooooooolo-gooooooooooolo-gooooooooolo, e só me calei para telefonar a dois fanáticos como eu para partilhar a rouquidão, o deslumbramento, o êxtase perante a corrida de um lagarto franzino que tira um adversário do caminho, faz uma rata ao segundo e ainda tem tempo para perguntar ao guarda-redes por que lado quer ver passar a bola. Um deslumbre. Um desvario. Uma coisa linda de se ver.

Perdemos o jogo nos penalties, fomos roubados por um árbitro que descortinou faltas onde elas não existiram e duplicou critérios que deveriam ser únicos, um nosso ex-jogador marcou um grande golo contra nós que, a dois minutos do fim nos estragou a festa merecida, mas aquele momento, oh aquele momento de magia foi sublime e justificou tudo, tornou-se matéria da que constroi os sonhos e as memórias.

E aqui fica a minha homenagem:
Martinho Martins Mocana - PAÍTO

que multipliques estes momentos mágicos pela tua carreira e que os cries com as riscas verdes e brancas vestidas e o leão ao peito!

[Dedicado ao JPT que, lá longe em Moçambique, se deve ter consumido tanto quanto eu durante os 120 minutos desta noite]

janeiro 26, 2005

DIÁLOGO ECONÓMICO

- O BCP anunciou hoje que Paulo Teixeira Pinto sucederá a Jardim Gonçalves na presidência do seu conselho de administraçã, a partir de Março.
- Eu sempre disse que aquele homem tinha OPUS DEI escrito all over the face...

janeiro 25, 2005

PRÉMIO ISTO É QUE É IDENTIFICAÇÃO COM OS PROBLEMAS

Comunicado do Gabinete do Primeiro-Ministro:
"(...) o senhor Primeiro-ministro está a acompanhar pessoalmente as medidas que estão a ser desenvolvidas devido à vaga de frio polar que se anuncia (...)"

Comunicado do Gabinete do Primeiro-Ministro, uma hora depois:
"(...) Toda a agenda do senhor Primeiro-Ministro para hoje foi cancelada devido a estar de cama engripado e com anginas (...)"

janeiro 24, 2005

FRIO... MORNO...

Dias de extremo frio, anuncia a Protecção Civil, dias que nem a postiça tensão política da pré-campanha eleitoral parece ir aquecer.

CANDIDATO SABONETE

Eu não sei quanto de propositado tem a inserção das mais recentes dogmáticas declarações de Pedro Santana Lopes num radio jornal do princípio da manhã. Sei que, juntando-as ao entorpecimento próprio da hora e do início da semana e à endémica falta de memória política dos seus concidadãos, se obtém um efeito quase perfeito na reabilitação da imagem de homem político destemido e combativo que PSL teve antes da desastrosa experiência governativa. A substância é, como usualmente, quase nula: o Presidente "deveria ter convocado (quem?) (...) a exemplo do que fez com o caso Marcelo Rebelo de Sousa (...) por causa do escândalo (onde?) de José Sócrates se recusar a ter debates comigo (recusou-se mesmo?) (...)". Tudo muito dito em foz forte, indignada, revoltosa. No bom e velho estilo dos congressos de Coliseu que tantos votos e, principalmente, atenção mediática lhe grangearam.
Porque é que o Presidente da República deveria intrometer-se no tema dos debates? Isso agora não interessa nada.
O que importa é esta transmissão de uma ideia de homem político que contraria o observado nos últimos meses. Uma perfeita campanha de marketing que não revela as características do produto, antes vende uma ideia de consumo.
Perde-se cada vez mais, obviamente, a essência política. Mas, nestes tempos alienados, será que muita gente (leia-se muitos dos eleitores do centro) sente a falta dela?

janeiro 21, 2005

CADERNO DE VIAGEM - PARIS (X)

Eu fui: senti, sofri, amei.
Os meus olhos viram o mundo, as minhas mãos sentiram, afagaram, moldaram. Seguindo o meu julgamento também eu o procurei transformar.
Julguei deixar o meu nome escrito no tempo pela força das minhas acções, dos meus descendentes, de todos aqueles com quem convivi.
De mim resta hoje apenas esta pedra entalhada onde um dia me vi repetido.
E só na beleza e perfeição que o artífice criou reside o valor que o tempo presente lhe dá. Não sou mais homem, sou unicamente o reflexo daqueles que me guardam e expõem.

ENTRE-OS-RIOS

Que a Relação insista em apurar, por via judicial, as responsabilidades pela queda da ponte de Entre-os-Rios é positivo.
Que o faça só arrolando os técnicos responsáveis pela fiscalização que, a seu tempo, escreveram relatórios denunciando o estado precário das fundações, e ignorando os responsáveis pela inoperabilidade e inorgânica das instituições que tutelavam a ponte e o rio e as próprias instituições em si, já me parece mais anedótico. E grave.

[O que esta medida irá implicar, principalmente se do julgamento sair um veredito de culpabilidade é todos os técnicos públicos deste país considerarem como em eminente colapso qualquer edificação sob sua alçada - estou a imaginar o pânico de directores-gerais e chefes de divisão ao terem de despachar os pareceres...)

QUANDO A ESMOLA É GRANDE...

Um amigo ao telefone, para me dizer que acabou de ouvir Santana Lopes em discurso directo:
-"(...) e a todos aqueles que tiveram confiança em nós em 2002 eu digo para continuarem a manter a desconfiança! (...)"
Como este meu amigo é muito do contra, eu não acreditei...

janeiro 20, 2005

PIADA FALHADA?


CADERNO DE VIAGEM - PARIS (IX)

Um dia também eu gostaria de viver num país civilizado, onde o quotidiano pudesse conter destas conversas simples, mantidas na loja do bairro, feitas da confiança da experiência e do prazer da antevisão da descoberta. Um país civilizado em que o correr do tempo pudesse conter também tempos passados, preservados. Um país civilizado onde os artificiais ritmos do presente não abafassem os ritmos da Terra, do respirar que nos é natural.

CADERNOS DE VIAGEM - PARIS (VIII)




Quem foram estas mulheres e homens? De que mistérios se fez a sua vida? Que forte desejo de sobrevivência os impeliu a encomendar à pedra o registo dos seus traços? Que amores viveram, que ódios geraram na banalidade do seu quotidiano esquecido?

janeiro 19, 2005

CADERNOS DE VIAGEM - PARIS (VII)

A transição entre o mundo gótico e o renascentista na pintura foi feita também do progressivo abandono do carácter (e intenção) simbólico (porque didática) da representação em detrimento de uma maior atenção para a recriação dos espaços, das pessoas, dos ambientes.




Esta obra de transição que encontrei no Louvre contém esse momento de passagem. As personagens ainda emergem de um espaço abstracto, não concretizado (o espaço não é importante; é a acção - o castigo - que importa), mas já não são arquétipos, são gente de carne e osso, palpável, identificável.

Não perdeu ainda, no entanto, essa inocência medieval quase infantil, que permitia o uso da maior crueza, no meio da graça celeste de azuis cerúleos e dourados gloriosos. Repare-se na cabeça do primeiro frade executado que rola perdida aos pés de Cristo, no detalhe da ferida aberta no pescoço do sentenciado




e no aparente prazer com que o artista vincou o martírio dos santos: a sentença é executada em dois movimentos, como se o primeiro golpe servisse apenas para preparar a cena para o momento fixado no quadro.

COM UM INVERNO DESTES...


... é fácil sentirmo-nos tropicais

janeiro 17, 2005

CADERNOS DE VIAGEM - PARIS (VI)

Traiteur
Se tem por hábito a França cultural premiar com a Legião de Honra todos aqueles que, nacionais ou estrangeiros, atinjam um ponto de excelência que lhes permita o reconhecimento público qualquer que seja o meio onde actuem, então, para mim, a grã-cruz dessa legião imensa deveria há muito estar atribuída a essa reverenda classe tão impossível de encontrar fora das suas fronteiras que dá pelo substantivo/adjectivo nome de "traiteur".



O que são os traiteurs? Artistas. Escultores da matéria mais diversa e mais primariamente chegada ao Homem que a natureza criou - o alimento. Devotos tratadores dos nossos mais preciosos sentidos: a vista, o olfacto, o gosto.

Passar por uma montra de um traiteur é ter acesso a uma nova sala do mais indispensável museu; é ganhar, por momentos, o acesso ao âmago da existência; é, no limite, poder descobrir, como mortal, os secretos sabores da olímpica ambrósia que os longínquos séculos mortos guardaram somente na memória colectiva.

Das mais anónimas às mais famosas, todas as montras brilham na competência dos seus autores. A Fauchon será, talvez, a mais mediática. Tão mediática que resolveu radicalizar-se e mudar toda a essência do seu interior. De um revivalista ar fin-de-siecle (XIX) minimalizou-se, tornou-se zen.

Das lascivas peças expostas no passado resta a gulosa memória. Com tanta normalização europeia, o contágio parece ter chegado - é bom ser-se clean, menos colesteroico, mais saudável. Obviamente, os olhos continuam a comer, mantêm-se as cores, os sabores sugeridos, a riqueza dos elementos. Mas algo quebrou. A Fauchon da minha memória passou apenas a perdurar na minha memória. Esta, a que no presente se exibe, poderia ter surgido na 5ª Avenida ou no centro de Tóquio (sim, não faço a mínima ideia como se chama a avenida mais fashionable de Tóquio) - a origem é secundária, o efeito não tem pátria.
É mais uma vítima da globalização.

CADERNOS DE VIAGEM - PARIS (V)

Um dos momentos que mais me fascina na história da Arte é aquele em que o fascínio pela recriação do real ensaia os primeiros passos, onde a matéria é plena de possibilidades e ainda vazia de respostas definitivas (e este definitivo é totalmente relativo), onde a técnica é um mundo ainda não descoberto.
O Louvre tem, na sua secção grega, dos mais viciantes resultados dessa busca inicial, desse começo de viagem. Já neste planeta falei da impressão que uma deslumbrante Coré me causou e dos seus paralelismos com um trabalho de Stella mas, desta vez, o encanto centrou-se em duas pequenas peças onde apenas um vislumbre do homem se nota:






Tão pouco e, no entanto, tão tudo.

LISBOA TEJO E TUDO

Bliss.

LISBOA, SABES... EU SEI


Detesto dominicais procissões, gente em magotes, gostos partilhados em demasia, mas esta pré-Primavera é uma lavagem de alma tão grande que me possibilita a paz suficiente para ficar de bem com o mundo.

janeiro 14, 2005

CADERNOS DE VIAGEM - PARIS (IV)

Talvez a tragédia maior do modernismo seja a do completo desfazamento entre a grandiosidade dos objectivos a que se propunha e os pífios resultados a que chegou. Por via da razão, procurou-se atingir a democratização da habitação: a optimização dos espaços, a eliminação do, aparentemente, supérfluo, a introdução da modulação conduziriam, não só ao aperfeiçoamento das "unidades da habitação" (e consequente criação do homem novo) como à redução de custos que tornaria acessível a toda a população uma habitação condigna.
Nobre propósitos, vãs tentativas.
Cavalo de Troia de um novo patamar para os promotores imobiliários de subúrbio, o modernismo agoniza no presente nos milhares e milhares de edifícios que constroiem o sky-line cinzento e monótono de todas as zonas habitacionais das cidades europeias.
Admito que a linguagem rebuscada e plena de redundâncias a que a arquitectura "romântica" tinha chegado necessitasse de uma revolução. Não ponho em causa a benignidade das intenções modernistas, a sua coerência, a qualidade dos projectos iniciais.
Limito-me a olhar as consequências.

A avenida Daumesnil é uma lombriga enorme, afastada da tradição da rive gauche, da opulência Hausmanniana e da fulgurância fugaz de La Defense. Limita-se a ser uma longa artéria construída ao longo dos anos, absorvendo os estilos da época, as alternâncias, os modelos. Nada de muito grandioso, nada de muito espectacular, nada de muito memorável. Não me foi, no entanto, indiferente este contraste entre o velho e o muito velho, entre o que ainda é da minha geração e o que, por ser de pelo menos, duas gerações atrás, se torna simpatico aos meus olhos, quase apetecível:


A primeira fotografia retrata um trecho de um quarteirão que se impõe pela monotonia das linhas. Acredito que, à data da estreia do Playtime fosse apelativo aos seus moradores -era novo, cheirava a novo, implicava o novo. Mas hoje... que extraordinário bocejo, que adormecimento para quem olha, que "socialização" do espaço, que bandeira deslavada apelando à uniformidade!


Mais à frente, este edifício parece renascer de um passado que, eventualmente lhe terá sido padrasto: seria esta, aos olhos dos seus contemporâneos, arquitectura revivalista (no sentido de ser feita para reviver na periferia o brilho dos grandes boulevards) ou arquitectura menor? Hoje, o baço da patine aparece brilhante, a heterogeneidade da fachada aparece estimulante, todo o edifício se constitui como um objecto renovado que apetece de novo disfrutar. Que melhor destino para um prédio?

SINAL DOS TEMPOS

Quando imagens como esta circulam velozmente pelas caixas de correio electrónico deste país - sinal de aprovação e concordância - aparece-me como cada vez mais provável a chegada da IV República.

BRASILEDICÊNCIAS

Por e-mail, recebi cópia de um artigo colocado num site informativo brasileiro acerca dos principais não-candidatos a primeiro-ministro nas eleições portuguesas do próximo mês. Não conheço o(s) seu(s) autores nem a benignidade das intenções que nortearam a sua escrita. É, no entanto, uma curiosa visão da política portuguesa. Si non e vero...
[para evitar acusações de difamação fica só o link; leiam directamente da fonte: http://www.gibaum.com.br/ - post do dia 5 de janeiro de 2005 sob o título "Fado tropical"]

janeiro 12, 2005

CADERNO DE VIAGEM - PARIS (III)

Sim, Paris é, cada vez mais pertença deste movimento de homogeneização de signos e gentes que a globalização parece acelerar mas Paris é, ainda, capital de um país mais civilizado do que muitos, sede de um Governo mais preocupado com o futuro de que muitos.


Sede deste ministério, oh admiração de um português viandante.

REBOQUE TURNS GOURMET (XL)


Falar da Tailândia para falar de gastronomia parece, nestes tempos de luto, uma frivolidade. Admito que possa parecer incorrecto - eu mesmo sinto alguma má consciência. E, no entanto, que melhor maneira para celebrar os que ficam, a vida que tem de forçosamente continuar, os países que não deixaram de existir?
Sábado passado, a tertúlia reuniu-se à volta de uma mesa asiática, eclética, heterogénea, pantagruélica. Sem o assumir, celebrou-se a fortuna da vida e da abundância, celebrou-se o prazer do sentir, do saborear.
Mais uma vez, para mim foi o desafio de coordenar uma orquestra com executantes melhores do que eu; de encontrar o programa certo; de o conseguir realizar.
(Será que isto interessa a alguém? Será que me interessa a exposição?)

janeiro 11, 2005

MAL-ENTENDIDOS

Afinal as mais recentes gaffes governamentais não passaram de más-interpretações dos ministros e da comunicação social:
-A senhora ministra da educação apenas disse que não teria interesse fazer uma segunda conferência de imprensa no hemiciclo;
-O ministro Morais Sarmento limitou-se a aproveitar os dias de férias em S. Tomé para, numa louvável atitude de poupança, efectuar alguns contactos bilaterais pendentes e proceder à entrega do produto do último peditório interno efectuado nos armazéns da RTP.

MATRAQUILHOS

Miguel Relvas, secretário-geral do PSD, desafia Jorge Coelho, coordenador da campanha do PS, para um frente-a-frente sobre política económica entre os dois não-candidatos a primeiro-ministro (toda a gente sabe que ninguém vota para a assembleia da república com base nos presidentes/secretários-gerais) dos respectivos partidos.
Hum.
Talvez seja interessante.
Duas horas de um diálogo do tipo:
- "Véer iz ze Fallen Madonna wiz ze big boobiez???"
- "Listen verry carrefully, I will say this only once..."

janeiro 10, 2005

THE END OF THE AFFAIR


LARANJA

Em Fevereiro, parece consensual, será a vez da rosa, mas Lisboa hoje, esteve banhada por uma imensa luz laranja:


NOW IS THE WINTER OF OUR...



Lisboa, hoje. (Na província, os campos em flôr)

janeiro 07, 2005

CADERNO DE VIAGEM - PARIS (II)


Posta assim é um lugar comum. É. Mas de comuns coisas se faz a segurança dos nossos passos, ainda que, para segurança tenhamos a casa e a cama quentinha. Já a subi até meio numa manhã de Janeiro tão fria quanto as fragas de Aquilino (também podiam ser as de Torga, mais telúricas, mas "fragas de Aquilino" tem um ritmo que "fragas de Torga" não possui), já a percorri até ao topo turístico num Verão temperado de chuva. Agora, fico dela longe, numa altiva e muito pouco politicamente correcta (ou, sinal dos tempos, muito politicamente correcta) reacção de superioridade face aos magotes de americanos basbaques ou chineses neófitos.
Mas é um farol, visível de todo o lado como os alexandrinos marcos que a História foi registando. E como um farol tranquiliza, neste mar que afinal não conhecemos nada bem, onde não nos reconhecemos.

janeiro 05, 2005

CADERNOS DE VIAGEM - PARIS (I)

Paris - como aparentemente todo o mundo ocidental - globalizou-se. As lojas são cada vez mais iguais, as caras são, na sua heterogeneidade, cada vez menos particulares. Um parisiense típico é tão incaracterístico como um lisboeta, um londrino, um berlinense. Melhor dito: os sinais, existindo, existem cada vez menos à superfície. E para quem vem na esperança de flanar pela diferença este encontro com o que, à superfície, parece igual, é um choque que demora a digerir.


O Metro continua albergue de músicos, músicos cansados, deprimidos na sua maioria, deprimentes, membros de uma loja secreta de mendigos (lembrei-me da organização de "M"). As pessoas olham pelas janelas, poucas contribuem, há um sentimento geral de vergonha. Tocar no Metro deixou de ser um trabalho em part-time para ser um peditório profissional em full-time.

BUCHHOLZ

O aviso chegou-me por mail e já a li espalhada por alguns blogs (por exemplo no Lutz, conterrâneo do seu fundador): a livraria Buchholz aproxima-se da falência.
No passado pré-FNACs gostava de lá ir: gostava das coisas que se conseguiam descobrir por lá (no meu caso, a história da arte e a gastronomia), gostava do espaço desdobrado, gostava de por lá andar sem ser chateado (e ficava sempre com a sensação que me agradeciam que não chateasse muito - uma espécie de disponibilidade só para compradores habituais, um clube do qual nunca me senti parte). Gostava das tentações da discoteca - e não gostava nada de não ter dinheiro para trazer metade dos discos que lá estavam - uma caverna de ali-bábá cheia de segredos importantes, de versões definitivas ou de indispensáveis obras desconhecidas . Num Portugal ainda à procura da Europa, a Buchholz era a Europa possível e possibilitada.
Feliz ou infelizmente, as FNACs vieram pôr a nú as suas insuficiências. A partir da sua abertura tornou-se possível perambular por entre livros e discos até à meia-noite - e verificar que o curto horário da livraria da Duque de Palmela era exasperante quando à sua porta se chegava e já ninguém lá estava para nos atender (porque é que tenho de sair mais cedo para lá ir quando posso ir nas calmas ao outro lado?). Tornou-se possível igualmente a alternância entre estilos musicais - da clássica para o jazz para a pop para as novas tendências para a clássica - e uma interacção mais "íntima" com os vendedores (e a glacialidade alemã da livraria ficou mais exposta). À medida que os corredores da FNAC se enchiam quase se começou a sentir o pó a assentar nas prateleiras da sua antecessora. O tempo cristalizou no seu interior e começou a parecer-se cada vez mais com mais um dos pontos de paragem de uma imaginária peregrinação pelos caminhos da esquerda cultural de sessenta/setenta.
Frequentar a Buchholz começou a tornar-se um acto de militância. E talvez por isso, com as militâncias tão burguesamente arrumadas apenas na prateleira das grandes causas, a Buchholz se aproxime do fim.

ELEIÇÕES (II)

Pelo bocadinho que ouvi do Fórum TSF desta manhã, ou anda por aí um grupo agit-pro a fazer campanha pelo voto em branco ou o sentimento já se encontra muito generalizado.
Eu confesso-me mais perto da hipótese, agora que o MPT se resolveu vender ao (ex) poder...

ELEIÇÕES (I)

Se Sampaio poupou o país a umas eleições com Ferro Rodrigues como lider do PS, não percebo porque não concede agora uma moratória perante esta direcção do PSD completamente exangue.

janeiro 03, 2005

O QUE PODEMOS FAZER?


Há coisas que estão ao nosso alcance fazer, mais do que mantermos o rabo comodamente instalado no apartamento sequinho enquanto o dedo se esfalfa na marcação telefónica ou displicentes, com a culpa afastada pelo gesto feito, enviarmos a ordem de transferência de alguns euros para as contas do costume (quantos euros demos a mais do que os que é usual deixar de gorjeta no restairante habitual?).

Tenham-se ideias, contactos, referências: como solidarizarmo-nos causando incómodo ao nosso quotidiano, como partilharmos fazendo o quilómetro extra? Vamo-nos (eu, tu, nós, blogueiros palavrosos e restantes concidadãos) deixar de sampaices e realizar coisas?

[Caixa de comentários e mail à disposição, as usually]

janeiro 02, 2005

ÂÂÂÂ......


(Como é que é.... ah!)
Eles falam falam, falam falam e não fazem nada, fico chateado, concerteza que fico chateado!!!!

janeiro 01, 2005

SOLIDARIZAR-ME

Eu não tenho muito dinheiro - estou à espera da devolução do IRS que ainda não chegou, estou à espera dos pagamentos das câmaras caloteiras que encomendam trabalhos e depois inventam burocracias para dilatar o prazo do pagamento acordado, estou à espera que as incompetências dos administradores, que encomendam projectos e só se lembram dos concursos depois destes entregues, se resolvam - para repartir pelos que nada têem e tudo perderam no tsunami do passado Domingo.
Mas tenho trabalho. Haverá alguém que me saiba indicar quem aceite alguns dias do meu braço e do meu cérebro para melhor os aplicar na solidariedade de quem precisa?

ÍTACA

Por vezes, é o acaso. Desta vez, pela lembrança da Carla Quevedo, uma possível resposta.
Ítaca sim, vale pelo caminho.

2005, bah