julho 03, 2004

MUDANÇA E EVOLUÇÃO

Parece-me quase indiscutível que a face mais mediática - e com mais audiência - da blogosfera portuguesa tenha sido desde o seu início a do debate político. Polémicas, comentários mais ou menos propositados, mais ou menos graciosos, mais ou menos imbecis, análises sérias, marcadamente tendenciosas ou plenas de honestidade intelectual, da esquerda, da direita, do centro, presenças de figuras públicas ou anónimas, de tudo isto viveu no pouco mais de um ano da sua idade adulta. Penso que, apesar da disseminada e porventura cada vez maior aversão pela política que os portugueses demonstram ter (que se vai traduzindo em preocupantes e crescentes níveis de abstenção nas consultas eleitorais), o assunto será dos que mais facilmente inquietam as emoções e inflamam o verbo sendo assim natural a sua liderança. Mais que política, só o futebol - basta passear pelos diversos blogs e verificar o número de comentários suscitados por um post relacionado com um destes dois temas.
Já discutir arte ou arquitectura ou literatura - para não falar das ciências exactas, da filosofia ou de temas ainda mais recolhidos na sua concha como a nanotecnologia, a semiótica ou a física das partículas elementares - pressupõe muito tempo anterior dedicado à sua reflexão, à sua contemplação e poucos arriscam um comentário deslocado sentindo-se já deslocados à partida.
A política parece assim uma actividade que nos é mais natural, provavelmente por nos ser inata, provavelmente por se situar maioritariamente - como o futebol - ao nível dos afectos. Somos "deste" ou "daquele" partido como somos "deste" ou "daquele" clube. Apupamos e aplaudimos tanto goleadas históricas como vitórias de secretaria, muito poucos temos o fair-play para reconhecer (pelo menos publicamente) que a outra equipa foi melhor, mereceu ganhar. Num sistema de alternância ao centro, é fácil esbaterem-se ideologias e acentuarem-se clubites e a clubite induz reacções, gritos de apoio ou apupos de oposição. É claro que há os extremos - e há-os por aqui, meritórios ou ilusórios - mas são uma minoria, excepções a confirmar a regra.
Algo no entanto mudou e essa ruptura parece ser mais uma das filhas da decisão de (Durão) Barroso de aceitar o convite para presidente da Comissão Europeia: o debate político parece começar a transformar-se em combate político. A blogosfera não é mais apenas um espaço de cruzamento ou manifestação de visões, antes começando-se a desenhar como um instrumento de intervenção real. São as convocatórias de manifestações por SMS que têm o seu início em posts publicados, por exemplo, no Barnabé. São as declarações de voto, de intenções, de recusa que Pacheco Pereira expõe no Abrupto e que se reflectem em notícias televisivas e radiofónicas. São os apoios do mesmo às vozes críticas que se revelam no PSD e são as contrapartidas a uma informação que parece manobrada (veja-se a denúncia do caso Ferreira Leite onde o seu pedido de desculpas no Conselho Nacional aparece como real nos jornais e é desmentido por JPP no Abrupto). Mais do que posições políticas, estes são instrumentos de política.
Há ainda outras figuras políticas que se aventuram por estas águas internéticas como tal e não como meros cidadãos. Aparentemente, ligados como estão ao poder interno ou à disciplina dos seus partidos, não parece ser fácil neles, a curto prazo, esta migração. No entanto, a acontecer - ou quando acontecer - , será a confirmação de um novo poder. Ou contrapoder.
E a haver esta confirmação que novo sistema emergirá?

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