outubro 13, 2004

A REABILITAÇÃO URBANA E LISBOA (XI) - A EBAHL E O CASTELO

À boleia da presente polémica (a que o Céu sobre Lisboa dá um valioso contributo) à volta da cobrança de entrada no Castelo de S. Jorge veio à tona o nome da EBAHL, a já esquecida empresa municipal criada pela coligação PS-PC para a gestão dos equipamentos culturais existentes e a criar nos "bairros históricos" da cidade.
O que começou como uma ideia de eficácia e agilização de processos - ninguém desconhece que os muitos constrangimentos que o Estado sofre no que respeita à contratação de pessoal, à realização de concursos, à "funcionarite" paralisante, à gestão de verbas são muito menores nas empresas públicas - rapidamente se transformou num saco fundo para onde foram atiradas muitas das realizações cuja rapidez impedia o calmo remanso dos processos municipais. A EBAHL foi responsável por algumas das coisas boas que ocorreram durante o consulado PC na Reabilitação Urbana - a gestão dos concursos dos projectos e empreitadas de renovação dos edifícios-âncora (Bernardas, Museu do Fado, por exemplo) -, por algumas coisas más - os gastos desnecessários com instalações, os ordenados de administradores e restantes colocados políticos - e por algumas coisas espúrias - os contratos a prazo feitos por encomenda da CML para contratar técnicos de que a autarquia tinha necessidade e os quais estava impossibilitada de contratar directamente.
Numa tentativa de alcançar a autonomia financeira, previu a criação de uma série de receitas que só poderiam advir da exploração dos espaços que estavam sob a sua gestão - e assim surgiu a bizarra ideia de cobrar a entrada aos visitantes do Castelo. Ideia bizarra porque esquecia a condição de espaço público do mesmo e a fortíssima relação de empatia que os lisboetas - e principalmente os que habitavam as freguesias vizinhas - com ele desde a renovação de 42 mantiveram. O Castelo era o jardim público da colina. Era um espaço aberto. Era um espaço de todos.
A contestação não tardou, começando pelo presidente da junta de freguesia - eleito pelo PC - que recusou liminarmente a hipótese dos seus eleitores pagarem bilhete. A ele se juntaram os presidentes das juntas limítrofes, também eles comunistas da velha guarda, pouco dispostos a aceitar tão (na sua óptica) absurdo imposto. Acredito que a polémica se tenha espalhado pelas opacas paredes de vidro do partido. E começaram as cedências. Primeiro aos moradores da junta do Castelo, depois aos habitantes dos bairros "populares". E a isenção prometida só não chegou a mais porque o vereador percebeu o ridículo da coisa e desistiu da ideia.
Vem agora a empresa sucessora da EBAHL retomar a ideia, justificando-a num comunicado emitido pelo seu Gabinete de Comunicação. Demagógico quanto baste, como parece ser necessário nos tempos correntes, compara o incomparável - os jardins do Castelo não são os jardins de Monserrate, este Castelo não é a Acrópole... - e justifica-se com os custos da reabilitação. O que, a aceitar-se como verdade implicaria que em todos os edifícios camarários se passasse a cobrar portagem aos munícipes aquando da transposição da entrada, numa salutar utilização do princípio de utilizador-pagador. Como passaria a fazer sentido o fecho do Terreiro do Paço - que não ficará atrás do Mosteiro da Batalha ou do Mosteiro dos Jerónimos na qualidade arquitectónica ou no número de visitantes - e a cobrança da passagem para pagamento das obras de reabilitação e manutenção.
O que fica a nú é, mais uma vez, a incapacidade dos responsáveis para inventar soluções criativas para a geração de receitas. O que se passa com as receitas da Olisipónia e do Periscópio? São poucas? Porquê? Quanto paga o restaurante pelo aluguer do espaço? Esses sim são espaços reservados onde é legítimo exigir um pagamento pelo valor acrescentado induzido. E não é obrigação da autarquia conservar os imóveis da qual é proprietária do mesmo modo que a lei exige aos proprietários particulares? Para onde vão então as receitas criadas? Se calhar para reabilitações de edifícios incógnitos pagas a preço de ouro ou em obras desajustadas em edifícios históricos como foi o caso do Museu do Fado ou do Palácio Pancas-Palha hoje alugado por alguns tostões a empresas de amigos...
Com esta recuperação de uma ideia enjeitada pelo próprio criador (o PCP) revela-se mais uma vez a fraca capacidade do PSD de pensar por si próprio os destinos da reabilitação urbana na cidade. Ou talvez neste caso não haja lugar para grandes admirações. A presidente do conselho de administração da EGEAC transitou do mesmo cargo que detinha da EBAHL. E tendo começado como acessora política do gabinete do vereador Vitor Costa (ainda militante do PCP na altura) é natural que não lhe desgoste ver agora aplicada uma medida para a génese da qual tanto contribuiu em 95.

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