Como era a Lisboa romana? Os variados cataclismos naturais que, ciclicamente , fustigaram a cidade e a contínua intervenção do homem, reconstruindo, adaptando, modificando, impediram a chegada até ao presente de registos claros que permitiriam uma leitura clara e segura da disposição do espaço. Os diversos achados que, maioritariamente nos dois últimos séculos, foram sendo efectuados, em conjugação com a organização clássica das cidades romanas permitem, no entanto, se não uma efectiva e pormenorizada reconstituição, a identificação de manchas de ocupação e de actividades, bem como o traçar de algumas das vias mais importantes.
Como a benesse geográfica não deixa de apontar, seria esta a colina de ocupação primordial, acolhendo no seu seio, para além dos templos, um anfiteatro de traçado clássico, com as “bancadas” integradas na encosta, situado um pouco acima da actual Sé. Na sua base, situar-se-iam, de acordo com as descobertas efectuadas, as indústrias de salga de peixe e os sempre citados “banhos” (ou criptopórtico?) da rua Augusta.
Quanto a nós, no entanto, o que será mais marcante é a ligação ao rio que se delineia e que não se faz só do seu uso como via de transporte ou fornecedor de alimento mas, mais importante, que se constrói a partir da sua visualidade omnipresente face a uma cidade que se instala na encosta para ele virada. Essa presença – a magia de uma côr que se transmuta em consonância com a meteorologia, esse ritmo que um ondular quase imperceptível marca, essa atmosfera – transfere-se para o sentir dos lisboetas e marcará, ainda mais numa Alfama que será, pelo menos na sua parte baixa, moradia de pescadores e comerciantes, esse inevitável de uma cidade onde, em cada rua, no seu final ou na sucessão ritmada de cruzamentos, esperará sempre uma nesga de rio, um surpreendente azul, cinzento, esverdeado, pedaço de rio, enleante, maternal, acolhedor.
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