outubro 11, 2004

A REABILITAÇÃO URBANA E LISBOA (X) - OS INGLESINHOS

Recebi os mails e li os diversos posts em vários blogs sobre o condomínio fechado que se pretende fazer sobre as ruínas do Convento dos Inglesinhos no Bairro Alto. Estive alguns dias sem escrever nada, para ver se conseguia distinguir melhor as coisas depois de assentar a poeira levantada por toda esta agitação.
Num primeiro momento, senti-me tentado a endossar palavras de apoio aos manifestantes, a palavrar contra a destruição de mais uma memória, a incentivar os protestos. Isto porque, lá bem no fundo, sou um anarquista militante que defende que só a contestação permite a discussão e que é só a partir desta que é possível tornar visíveis os erros e perceptíveis as suas correcções. Nada pior do que as águas estagnadas para enquinar ainda mais o ambiente.
Aprendi, no entanto, que a cabeça fria nunca fez mal a ninguém (veja-se o caso notável da ascensão do ex-mini-ministro do ambiente de António Guterres a futuro primeiro-ministro de Portugal) e que muita da nossa paixão é vergonhosamente condicionada para servir de instrumento aos interesses particulares de terceiros, mais aptos para manipular do que nós próprios.
Ora neste caso dos Inglesinhos, esta necessidade de cabeça fria parece-me óbvia. O que é que se discute: a queda em ruína de um convento lisboeta? A "estranha" venda do património imobiliário de uma Instituição de Solidariedade Social tutelada pelo Estado a um grupo privado (terá havido concurso? terá sido a CML notificada da mesma?)? O não interesse da CML em exercer o direito de preferência (porquê, quando o faz perante S. Jorges, ou edifícios de habitação decadentes, ou ruínas que, a custo, se podem considerar reeregíveis?)? Não, não e não. À boa maneira portuguesa, discute-se a conclusão e não as premissas.
Contestar o quê, agora, quando não se apresentou em tempo a proposta de classificação do edifício (ou não se lutou por ela), quando não se apresentaram propostas de uso do edificado, quando não se protestou pelo abandono a que o convento foi votado pelos seus anteriores proprietários?
Por outro lado, todos os argumentos agora apresentados se parecem terrivelmente com as vetustas ideias da anterior coligação (que a actual não negou) de manutenção da composição social dos Bairros Históricos (o primeiro director municipal da reabilitação urbana resumiu-as numa frase célebre, repetida até à exaustão - "há que evitar a todo o custo a gentrificação dos Bairros!"), misturada com a bem portuguesa inveja do "sucesso" dos outros ("a gente não quer que venham pr'aqui os ricos darem cabo disto tudo com condomínios fechados", ouvi a manifestantes entrevistados pelas televisões). Porque é que um bairro histórico não pode ser interclassista, ao contrário do que é defendido para as zonas mais recentes da cidade (Olivais, Alto do Lumiar)? Que urbanismo de postal é este?
Quanto ao demonizado "condomínio fechado" não vejo onde está o mal - qual é o quarteirão do Bairro Alto que é aberto? Quantos moradores estariam dispostos a abrir os seus logradouros à fruição pública?
Não, defnitivamente não estou contra esta promoção do grupo Amorim. Estou contra a destruição do convento, porque acho que é sempre possível reinventar os edifícios - principalmente quando estes não são criminosa e propositadamente deixados ao abandono e à intervenção do tempo e dos agentes atmosféricos. Estou contra a CML porque prefere deitar dinheiro fora em reabilitações duvidosas e de retorno - financeiro e social - impossível a usar o direito de preferência que a lei lhe confere para evitar o desaparecimento de edifícios que se podem constituir como polos de renascimento de zonas da cidade. Estou contra este país que se preocupa mais com o fio dental de um novo-rico aspirante a vedeta do que com a qualidade de vida nas suas cidades. Estou contra aqueles que, tendo a cultura e o conhecimento necessário, despertam tarde e a más horas para o que os cerca, numa espécie de ressabiamento tolo perante a desenvoltura negocial dos outros. Estarei contra os tolos que se irão publicitar nas revistas sociais nos salões pagos a preço de ouro e que não valem mais do que lata. Mas não estou contra quem viu uma oportunidade de negócio e soube actuar, aproveitando a passividade de uns e a incompetência de outros.
E repito o que já comentei no Céu de Lisboa: antes um condomínio privado que uma ruína pública.

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