agosto 11, 2004

E O CHIADO QUE FALECE...

Mentira que é há muitos anos, que o incêndio tornou mais visível e que a reconstrução procurou ocultar, o Chiado continua a morrer. Se há cancros urbanos cuja cura é desconhecida o do Chiado é um deles. Por aqui apenas anestésicos e placebos de duvidosa eficácia se ministraram nas últimas décadas.



Do que foi o melhor restaurante da cidade resta uma memória envergonhada, estandartes rasgados de uma magnificência que soube sobreviver à revolução política mas não resistiu à mais recente e eficaz ascensão dos novos poderes económicos e sociais. Quem já visitou cemitérios antigos perceberá a minha imagem: aqueles toldos rasgados são as cortinas que desesperam nos jazigos de famílias extintas - sobra o nome, a memória reduzida aos poucos afortunados que ainda vivem e tiveram a oportunidade de conhecer o seu esplendor. O Aviz era tão ou mais património cultural da cidade quanto o São Jorge ou o palácio Pancas-Palha - para falar de dois edifícios para os quais houve a vontade, a coragem e o dinheiro para os salvar da demolição. Estes ainda servem, aquele não mais.



Já este edifício, fendilhado de cima a baixo e objecto de monitorização de patologias, me parece imagem suficiente do escrevi no início: o Chiado está doente - de doença prolongada - e vai morrendo aos poucos, corroído nos seus alicerces. Estruturalmente, terão sido as obras do Metro a dar o grande impulso. Arquitectonicamente também - veja-se a cloaca no Largo do Chiado - , ainda que em menor grau do que a reconstrução pós-incêndio. A vida é feita de experimentar, num ciclo tentar-errar-aprender-melhorar. Assim houvesse a coragem de o assumir neste caso e de tentar corrigir os males induzidos. Mas é mais fácil pseudo-fechar bairros ao trânsito automóvel e entaipar ruas com obras de fachada.

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