Quem são estes dois homens que, contraditórios na imagem, me olham com mais de vinte anos de intervalo? Pode o tempo reinventar em tão pouco? Entre a figura desempenada, segura de si, calorosa e magestática (a nós portugueses fica-nos sempre bem o culto pela autoridade) e o homem alquebrado pela doença e pela degradação física trazida pela idade que a vontade férrea não conseguia mais disfarçar ficam apenas pouco mais de duas décadas. Mas que décadas!
Fica o fim do século XX - não o fim ditado pelo calendário mas o fim da organização política mundial fundada pelo século, o fim das ideologias, o primado absoluto da materialidade. E para um Papa que, contra a urgência contemporânea de adequação da sua Igreja aos valores actuais, sempre se bateu pela manutenção dos seus valores - fossem eles os da defesa intransigente da vida humana (e em campos tão diversos como são os da contracepção, do aborto, da eutanásia ou da denúncia de atropelos das liberdades individuais ou da exploração dos mais pobres) ou da manutenção das tradições eclesiásticas - talvez a mais irónica, a mais desalentadora nota do seu pontificado seja a da derrota desta visão de um mundo mais espiritual, mais justo, mais cristão, naquilo que a mensagem cristã tem de mais universal e que é comum a todas as outras grandes religiões.
E eis como um texto que comecei com uma intenção autobiográfica se transforma numa reflexão sobre o bem e o mal.
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