maio 04, 2004

OS 80

Estava há dias a ler o livro com a recolha do textos do Alexandre O'Neil publicados em jornais e revistas e editado pelo Independente quando, por associação de ideias, dei por mim a pensar nos inícios do jornal e de como o mesmo se inseriu no que - agora se vê, à distância de mais de quinze anos -, era um vasto movimento criativo que tomou conta de todos os sectores da sociedade (enfim, portuguesa será exagerar) urbana da década de oitenta.
Corolário da liberdade iniciada após a Revolução, com o que ela trouxe de quebra de tabus e de atitudes censuradas, a geração que ocupou essa década terá sido a que melhor soube aproveitar o seu potencial criativo e criador: na primeira e segunda "gerações" da música popular - GNR, Heróis do Mar, Mler Ife Dada, Jafumega, António Variações (para citar só alguns) -, na "movida" nocturna - a revitalização do Bairro Alto, com o Frágil à cabeça (mas também Os 3 pastorinhos, o Trumps), a imprensa - o Independente e o Público, as revistas de moda (aquele papel couché impensável no Portugal de antanho, a sensação de ter entrado no 1º mundo que tive quando passei os dedos e os olhos pela primeira edição da Elle) -, as artes plásticas - os Pedros, Cabrita Reis e Calapez and all -, o cinema, o teatro e tudo o mais.
Com o final da década começou a chegar o dinheiro da (então) CEE e se a disseminação dessas verbas na sociedade permitiu o aumento do público e do consumo, paradoxalmente também levou a um aburguesamento de pensamentos e atitudes que destruiu parte da genuinidade de todos.
A máquina hoje está bem oleada e feita para ganhar dinheiro. Os artistas também consideram o lucro como parte fundamental da sua actividade. O público, o que cada vez mais quer é pão e circo - nada de grandes provocações que a televisão já ensinou os padrões de gosto a seguir.
Perdemos élan, perdemos motivação.
E se hoje há, incomparavelmente, uma muito maior diversidade e quantidade de oferta cultural e de entretenimento e lazer, paradoxalmente a única frase que me vem à cabeça é "esta apagada e vil tristeza".

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